Forçada a enfrentar a crise, Dilma imita Lula e a procissão de bravatas recomeça
Augusto Nunes (*)
Confrontado com sucessivas evidências de que a crise econômica americana provocaria estragos no mundo inteiro, o então presidente Lula decidiu proibi-la de entrar no Brasil. ”Um dia acordei invocado e liguei para o Bush”, gabou-se em 27 de março de 2008. “Eu disse: ‘Bush, meu filho, resolve o problema da crise, porque não vou deixar que ela atravesse o Atlântico’”. Como Lula só fala português, Bush não deve ter entendido o recado do colega monoglota. Alheia ao perigo, o alvo da ameaça já rondava as praias do Brasil quando, quase seis meses depois do telefonema improvável, o chefe de governo voltou a tratar do assunto.
“Que crise? Pergunte ao Bush”, recomendou em 17 de setembro a um jornalista preocupado com os sinais de que o problema americano não pouparia o País do Carnaval. “O Brasil vive um momento mágico”, emendou no dia 21. No dia 22, a ressalva entre vírgulas informou que o momento não era tão mágico assim: “Até agora, graças a Deus, a crise americana não atravessou o Atlântico”. Uma semana depois, a ficha começou a cair. “O Brasil, se tiver que passar por um aperto, será muito pequeno”, garantiu em 29 de setembro. Pareceu render-se no dia 30: “A crise é tão séria e profunda que nem sabemos o tamanho. Talvez seja a maior na História mundial”.
Em 4 de outubro, o otimista delirante voltou ao palco: “Lá nos Estados Unidos, a crise é um tsunami”, comparou. “Aqui, se chegar, vai ser uma marolinha, que não dá nem para esquiar”. No dia 5 de outubro, achou prudente depositar o problema no colo do Legislativo. “Queremos que esse tema da crise mundial seja levado ao Congresso”, comunicou. No dia 8, conseguiu enxergar o tamanho do buraco. “Ninguém está a salvo, todos os países serão atingidos pela crise”. Em 10 de novembro de 2008, a metamorfose delirante fechou gloriosamente a procissão de frases amalucadas. “Toda crise tem solução”, ensinou. “A única que eu pensei que não tivesse jeito era a crise do Corinthians”.
O raquitismo das taxas de crescimento registradas de lá para cá mostrou o que acontece a um país governado por alguém que enfrenta com bazófias e bravatas complicações econômicas de dimensões globais. A longevidade da crise, agora agravada pelas quebradeiras que abalam a União Europeia, confirmou que o mundo lida com um monstro impiedoso com populistas falastrões. Mas o Brasil não aprende, comprova o comportamento de Dilma Rousseff. Três anos depois, a estratégia inaugurada pelo Exterminador do Plural começou a ser reprisada em dilmês.
Lula acordava invocado com Bush. Em março, Dilma deixou de dormir direito por andar invocada com um certo “tsunami monetário”. Num improviso de espantar Celso Arnaldo, atribuiu a paternidade da criatura a “países desenvolvidos que não usam políticas fiscais de ampliação da capacidade de investimento para retomar e sair da crise que estão metidos e que usam, então, despejam, literalmente, despejam US$ 4,7 trilhões no mundo ao ampliar de forma muito, é importante que a gente perceba isso, muito adversa, perversa para o resto dos países, principalmente aqueles em crescimento”.
Lula recomendava aos americanos que se mirassem no exemplo do Brasil. Dilma se promoveu a professora da Europa. “Eu acho que uma coisa importante é que os países desenvolvidos não só façam políticas expansionistas monetárias, mas façam políticas de expansão do investimento”, ensinou em 5 de março. “Porque o investimento não só melhora a demanda interna, mas abre também a demanda externa para os nossos produtos”. No dia seguinte, concluiu a lição. “O que o Brasil quer mostrar é que está em andamento uma forma concorrencial de proteção de mercado que é o câmbio, uma forma artificial de proteção do mercado. Somos uma economia soberana. Tomaremos todas as medidas para nos proteger”.
Lula zombava da marolinha. Nesta semana, Dilma reiterou que com o Brasil ninguém pode. “Nós estamos 100% preparados, 2oo% preparados, 300% preparados para enfrentar a crise”, preveniu. No dia seguinte, as previsões sobre o crescimento do PIB em 2012 baixaram de 4,5% para menos de 3%. Como Lula em 2008, Dilma resolveu interceptar o cortejo de índices aflitivos com outro balaio de medidas de estímulo ao consumo. Como ficou mais fácil comprar automóveis, os congestionamentos de trânsito ficarão ainda maiores. Os brasileiros motorizados terão mais tempo para pensar em como pagar o que devem ao banco.
Nesta quinta-feira, reproduzidos pelo site do jornal português O Público, trechos da entrevista concedida por Lula à documentarista Graça Castanheira comprovaram que, enquanto a afilhada cuida da economia brasileira, o padrinho socorre os países europeus mais necessitados. “Obama pensa nos americanos, Merkel nos alemães, cada um no seu mandato”, descobriu o professor de tudo. “O mundo não está pensando de forma globalizada”. Tradução: o planeta precisa de um Lula.
A performance da dupla que gerou o Brasil Maravilha comprova que só em terra estrangeira a História se repete como farsa. Aqui, uma farsa é reprisada há mais de nove anos a plateias que engolem qualquer história. Oremos.
(*) Jornalista e Ex-Diretor do Jornal do Brasil, do Jornal Gazeta Mercantil e Revista Forbes. Atualmente na Revista Veja
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