quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A política da irrelevância

Rolf Kuntz (*)

Sem o exotismo rústico de seu antecessor e sem disposição para conduzir uma diplomacia madura, a presidente Dilma Rousseff tende a tornar-se uma figura irrelevante no palco internacional, muito abaixo do papel esperado de quem governa a sexta maior economia do mundo. Ainda terá a vantagem de passar longe de cenas constrangedoras. Não prevenirá o ex-KGB Vladimir Putin para tomar cuidado com os governantes capitalistas, nada confiáveis. Não elogiará uma cidade da África por sua limpeza (“não parece africana”, disse Lula). Não insistirá, perante uma plateia na Turquia, em explicar a velha identificação brasileira de “turco” e mascate. Não tendo sido sindicalista, ficará, talvez, livre da propensão, tão ostensiva em seu padrinho político, de agir e falar em qualquer parte do mundo como se estivesse num palanque de Vila Euclides. Mas isso parece menos garantido e talvez a expectativa, nesse caso, seja muito otimista. Se tivesse ido a Davos, disse o chanceler Antonio Patriota, a presidente Dilma poderia ter feito um discurso parecido com a fala de Sharan Burrow. Mas a comparação parece imprópria.

A australiana Burrow é secretária-geral da Confederação Internacional de Sindicatos, com sede em Bruxelas, e especialista em educação, relações industriais e políticas sociais. É uma figura internacional e age de acordo com suas funções. Convidada para um painel no Fórum Econômico Mundial, foi lá, desceu a lenha nos governos, falou horrores das condições atuais do capitalismo e enfrentou uma discussão dura com pessoas de peso político e intelectual. Deu seu recado num dos mais importantes foros internacionais de debates, onde se tratou, na mesma semana, de alguns dos assuntos mais quentes do momento – a crise europeia, as perspectivas da economia mundial, o drama do desemprego e o futuro do capitalismo. Políticos do primeiro time, tanto de países avançados quanto de emergentes, discutiram propostas, condenaram políticas e expuseram-se publicamente a críticas e pressões. E a presidente Dilma?

Convidada com insistência para ir a Davos e fortalecer a presença brasileira no Fórum Econômico Mundial, preferiu fazer um discurso ridículo no Fórum Social de Porto Alegre, recitando a velha ladainha contra o neoliberalismo e exaltando as maravilhas da América Latina. Como é normal entre os de seu grupo, esqueceu a história: nenhuma economia da região ganhou segurança sem passar por aqueles ajustes combatidos tradicionalmente pelo PT e pelos autointitulados desenvolvimentistas.

A presidente poderia ter ido a Porto Alegre e depois a Davos, como fez Lula há alguns anos. Mas preferiu bater ponto naquele circo esvaziado e muito menos importante que outro evento “paralelo”, o Fórum Aberto de Davos, onde empresários, banqueiros e autoridades enfrentam um auditório às vezes agressivo. O megainvestidor George Soros esteve lá, num dos últimos anos, e se expôs a um monte de desaforos.

A presidente Dilma Rousseff escolheu a obscuridade e a omissão. Em Davos, milhares de políticos, empresários e acadêmicos envolveram-se durante cinco dias em intensas discussões sobre a crise e sobre as saídas possíveis. Entre as figuras públicas havia chefes de governo, ministros, presidentes de bancos centrais e dirigentes de instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio. A briga foi pesada. Chefes de governo, como o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, e servidores de primeiro escalão, como o secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, pressionaram abertamente o governo alemão e outros da zona do euro para fazer muito mais pela solução da crise das dívidas. Figuras de todo o mundo, como o governador de Hong Kong, Donald Tsang, e o vice primeiro-ministro da Turquia, Ali Babacan, entraram no jogo. Os governos da zona do euro, disse o ministro turco, precisam de um ajuste muito mais sério para ganhar credibilidade. Além disso, devem a qualquer custo evitar a insolvência grega, porque um calote poderá abrir a porteira para um imenso desastre.

Apesar de um duro ajuste orçamentário, a economia turca cresceu 8,2% em 2010 e deve ter crescido uns 7% no ano passado. Babacan foi lá, deu seu recado, participou do jogo e mostrou – sem a arrogância brasiliense – a boa evolução da economia turca. A presidente Dilma Rousseff poderia ter feito algo semelhante. Talvez não o tenha feito por causa de um grave provincianismo ideológico ou por não se sentir à vontade entre interlocutores bem preparados e sem subordinação. Porto Alegre é muito mais confortável. Mas o Brasil não conquistará peso internacional no irrelevante Fórum de Porto Alegre, nem dependerá, para isso, de “movimentos sociais” financiados pelo Tesouro Nacional.

(*) Doutor em Filosofia pela USP e Especializado e Administração de Empresas pela FGV é colunista do Estadão de Economia

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