Luis Fernando Verissimo para O Estado de S.Paulo
Quando ainda se escrevia crônicas de carnaval, as da Quarta-feira de Cinzas eram as mais comuns. Tratavam de ressaca e remorso, de fim da folga e volta ao trabalho, e de todas as possibilidades dramáticas ou patéticas de um carro alegórico abandonado e um falso marquês estirado na sarjeta. Havia até uma subcategoria de crônica de Quarta-feira de Cinzas, a crônica da volta do marido para casa. Do reencontro, às vezes catastrófico, do brasileiro com a realidade na forma da Adalgisa esperando no portão, e não aceitando desculpas.
Quarta-feira de Cinzas era uma coisa muito brasileira. Como ninguém tinha um carnaval parecido com o nosso, ninguém tinha um pós-carnaval tão triste. Uma queda de tanta altura. Mas o curioso é que quanto maior e mais coisa inédita brasileira fica o carnaval, mais o nosso pós-carnaval perde suas características - e seu valor literário. Hoje a figura típica do pós-carnaval não é mais o folião deixando sua fantasia no caminho na volta ao seu duro cotidiano, é o finlandês embarcando no avião e levando sua fantasia para mostrar em casa. E não tem mais Adalgisa esperando no portão. O marido que volta teve o mesmo destino de outros personagens clássicos: foi engolido pelo tempo e pela irrelevância. Ele não sai mais de casa no sábado e só reaparece na quarta-feira vestindo um cuecão e dizendo que foi sequestrado por sugadoras alienígenas, o que explica os chupões no pescoço. Isso é coisa do tempo antigo. De outros pós-carnavais.
Razão têm os baianos, que acabaram com o pós-carnaval. Lá chamam a Quarta-feira de Cinzas de "Recomeço", e emendam. E como gênero literário as crônicas da Quarta-feira de Cinzas também perderam toda a legitimidade. Viraram anacrônicas. Como esta, que ainda por cima está saindo na quinta.
Silêncio. Estou escrevendo sem saber o resultado da votação para as escolas do Rio. Fiquei impressionado com a Salgueiro, mas estou sempre predisposto a ficar impressionado com o Salgueiro. Mas desconfio que este ficará na história como o carnaval da parada da bateria da Mangueira. Quer dizer, a coisa mais memorável do carnaval de 2012 será o silêncio.
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