A selvagem de Santarém: Paisagem 1 X 0 Roteiro (A guerra dos estereótipos)
Jota Ninos (*)
Nos últimos dias os internautas santarenos (inclusive aqui no blog) viveram o frisson da expectativa de como Santarém seria retratada pela Rede Globo, no episódio de uma minissérie cujo título trazia, pela primeira vez, o nome da cidade em destaque aliado ao velho estereótipo de que a Amazônia é terra de índios.
Assisti ao episódio tentando desarmar meu espírito diante do estereótipo que já convencionamos de que “tudo o que a Globo produz tem um objetivo escuso”. Tentei ser apenas um telespectador que gosta de bons enredos e boas atuações em espetáculos de entretenimento televisivo. E é essa análise que quero fazer mais adiante.
Antes, porém, vale ressaltar que do ponto de vista do marketing turístico, esse episódio (assim como outras coisas que foram filmadas por aqui recentemente) reforçam Santarém como pólo turístico. Mês passado, eu e os jornalistas Manuel Dutra e Socorro Veloso, ouvimos de uma empresária do ramo de hotelaria em Alter do Chão a seguinte pérola: “Nós queremos é a novela das oito”, numa alusão de que já não bastam as cenas do nosso balneário mais famoso, numa novela das seis que ainda vai entrar no ar… Nesse sentido, as imagens na série serviram de cartão postal virtual e televisivo dos nossos potenciais turísticos e exóticos…”
“A selvagem de Santarém” foi o terceiro episódio da nova minissérie da TV Globo que se baseia no sucesso de outra recente minissérie, “As cariocas”, que por sua vez foi baseada na obra do jornalista e humorista Sérgio Porto (1923-1968), que se assinava também como Stanislaw Ponte Preta e pode-se dizer que era um precursor (mais refinado) do humor satírico dos Cassetas & Planetas e CQCs dos dias de hoje.
O humor corrosivo de Stanislaw/Sérgio, criador do impagável Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País) e do Samba do Crioulo Doido, ao que parece, foi bem adaptado na primeira minissérie ensejando a criação de uma nova minissérie que pretende “regionalizar” o glamour feminino tupiniquim, baseado nos tipos de mulheres cariocas que o humorista retratou. Seria uma estratégia da Rede Globo para fortalecer sua audiência Brasil afora?
Assisti aos três episódios, e este terceiro com certeza foi o mais fraco de todos. O primeiro episódio (A justiceira de Olinda) falou de uma pernambucana arretada (Juliana Paes, impagável) que ao desconfiar do marido decepa-lhe o que ele tem de mais precioso… O enredo é hilário por si só, nas peripécias do casal para desfazer o engano. O segundo episódio (A inocente de Brasília) mostrou uma funcionária de empresa (Cláudia Jimenez) que desmascara falcatruas do patrão envolvido com corruptos do Governo Federal. A atuação de Cláudia Jimenez faz valer o tempo que se senta à frente da TV. E aí vem o “nosso” episódio com um roteiro fraquinho, que só é salvo pelas belas paisagens de Santarém e arredores.
O roteiro da “Selvagem” brinca com o estereótipo da presença índia na Amazônia, começando pela tentativa de “confirmar” ou desmistificar a lenda das Amazonas, tribo de guerreiras que teriam sido vistas na região pelo navegador espanhol Francisco Orellana, em 1540, e que acabaram dando nome ao grande rio. Ao final, fica-se sabendo que se trata apenas de um embuste do malandro da trama, com pinta de carioca, para fisgar o dinheiro da premiação do antropólogo ao montar uma farsa com índias e índios que não passam de atrizes e atores da região. Entre eles a linda Araí, a selvagem do título, que acaba por se apaixonar pelo tal pesquisador.
O roteiro é tão fraco que não dá pra rir. Até a atuação de Danton Mello (irmão do Selton) é sofrível, quase patética, na pele do pesquisador. Seu colega malandro (o humorista Fábio Porchat) consegue ter uma atuação menos frustrante. A beleza das praias e da nossa “índia” que desfila nua entre arbusto e mergulhando ao lado de botos, é apenas uma bela moldura para uma história sem pé nem cabeça.
Ao entrar no mérito do debate sobre os estereótipos, fica claro que a trama global tenta desfazer alguns deles quando sugere ser um embuste mal engendrado e mal amarrado. Mas por ser ficção, pode-se até deixar de lado as considerações estéticas. Entretanto, o final da trama onde o pesquisador-enganado-pelo-amigo-e-apaixonado-pela-falsa-índia embarca na loucura e resolve se aproveitar das imagens para produzir pseudo-documentários com as falsas amazonas e ganhar dinheiro, acaba confirmando outro velho estereótipo: a onipresença do colonizador (Agora do sul maravilha) na região, que se aproveita dos nossos recursos naturais e os transforma em algo lucrativo.
Índio quer Plim-plim!
(*) Jornalista greco-brasileiro-mocorongo. Morador em Santarém .
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