domingo, 26 de fevereiro de 2012

Emergências ou calamidades no Brasil

A cada cinco horas, Brasil ganha um novo município em emergência ou calamidade pública

UOL Notícias

Nos últimos cinco anos, um município brasileiro decretou situação de emergência ou estado de calamidade pública a cada cinco horas. É o que aponta levantamento feito pelo UOL, com base nos dados da Secretaria Nacional de Defesa Civil (Sedec) entre 2007 e 2011. Ao todo foram 8.442 portarias publicadas no “Diário Oficial da União” nesses cinco anos. Somadas aos 729 decretos já publicados este ano, o número supera a marca das 9.000 portarias, com a média de 4,8 decretos por dia.
 
O processo de reconhecimento de decreto de emergência ou calamidade dos municípios passa por três etapas. Na primeira, os prefeitos decretam a situação de emergência --caso precisem de ajuda-- ou estado de calamidade pública --quando afirmam não ter condições de reverter a situação sozinhos.

Os decretos valem por 90 dias, podendo ser renovados por igual período -180 dias é o período máximo. Após isso, caso seja necessário, é preciso apresentar toda uma nova argumentação.

Em seguida, cabe aos governos estaduais, por meio das defesas civis, homologarem o decreto e enviarem ao governo federal. Por fim, cabe à Defesa Civil reconhecer o decreto com a publicação no “Diário Oficial da União”. A oficialização é um passaporte para que os gestores possam contratar serviços ou realizar compras sem a necessidade de licitação.

Para conseguir ter uma situação excepcional reconhecida, o município precisa enviar um relatório de avaliação de danos, o avadan, com dados, números de atingidos e imagens da destruição. Segundo a Sedec, todos os relatórios passam por avaliação até a publicação no “Diário Oficial da União”.

Desde fevereiro de 2010, a Sedec autorizou o envio emergencial de R$ 2,7 bilhões aos Estados ou municípios afetados por catástrofes. Pelo menos 90% do dinheiro já foi liberado e serviu, em sua maioria absoluta, para restabelecimento da normalidade, socorro às vítimas e obras de reconstrução.

Com mais de 30 anos de atuação na área, o coordenador da Defesa Civil de Maceió, Antônio Campos de Almeida, disse que o número de decretos publicados no Brasil chama a atenção para a falta de capacidade técnica dos municípios, que levam o governo federal a não ter condições técnicas de analisar um pedido. Em muitos casos, é o Estado que envia técnicos e decreta diretamente a situação, o que teoricamente não é permitido por lei.


“Falta aos municípios defesas civis com orientação técnica, conhecimento especializado. A verdade é que governo federal tem sido muito generoso. Apesar da falta de critério dos decretos, pensa na população. Se for adotar todos os critérios, vai morrer gente, e o principal dever da defesa civil é a proteção à vida. Existem os critérios legais, mas se o município não tem especialista, o governo federal acaba fechando os olhos. A rapidez da necessidade em enviar ajuda também ajuda nesse processo de reconhecimento”, disse.

O especialista afirmou que os números comprovam que a maioria dos municípios ignora as leis de prevenção, o que gera uma repetição de decretos ao longo dos anos. “Por exemplo: é obrigatório todos os municípios terem mapeamento de risco. E o percentual nacional, até novembro, era que apenas 1,0002% deles tinha. Ou seja, não chega sequer a 100 cidades. Por isso temos cidades que vivem numa quase eterna emergência”, disse Almeida, que já atuou como consultor em defesa civil para municípios alagoanos.

Estiagens dominam
Apesar das mortes causadas pelas chuvas nos últimos anos, enchentes, enxurradas, alagamentos e deslizamentos não são os principais motivos dos decretos reconhecidos no país. Segundo levantamento do UOL, as estiagens se configuram a maior causa dos decretos, com 3.526 portarias reconhecidas nos últimos cinco anos. As enxurradas vêm em seguida, com 2.335 decretos. Enchentes (1.199), vendavais (405) e seca (383) completam a lista dos principais problemas. O recorde de decretos ocorreu em 2010, quando 2.765 portarias foram reconhecidas pelo governo federal.

São os Estados da região Sul que dominam a lista dos municípios que decretaram emergência ou calamidade pública. No Rio Grande do Sul, por exemplo, foram 1.300 decretos entre 2007 e 2011. Já em Santa Catarina foram 1.232. Somente este ano, foram mais 341 municípios em emergência no Rio Grande Sul, todos pela estiagem. No Sul há a peculiaridade climática, já que as situações excepcionais variam entre enchentes, estiagens, vendavais e até geadas.

Segundo o doutor em meteorologia e integrante do grupo gestor da prevenção e mitigação de desastres da OMM (Organização Mundial de Meteorologia), Luís Carlos Molion, existe uma mudança climática recente que explica o aumento no número de eventos extremos no país nos últimos anos, especialmente no Sul.

“Houve uma mudança climática a partir de 1999 e 2000. A partir dali, o Oceano Pacífico voltou a ficar mais frio que o normal. Isso já tinha acontecido entre 1946 e 1976. Nessa época, no período chuvoso, o Rio Grande do Sul sofreu com frequência maior de estiagem, e o Nordeste teve secas menos intensas. Ao mesmo tempo, o Sul sofreu, no inverno, com uma frequência maior de geadas severas e tardias. Tivemos chuvas fortes e inundações nas cidades do Rio e São Paulo. O problema é que estamos vivenciando algo similar agora, o que leva os municípios a decretarem emergência”, disse.

Apesar de considerar justificável o aumento no número de decretos de emergência e calamidade pública, Molion afirma que a maior incidência de eventos extremos era previsível, e as autoridades tinham conhecimento dos riscos, mas não tomaram as medidas necessárias.

“Isso não é nada novo. Se sabemos que existe grande probabilidade de termos chuvas intensas, como tivemos no passado, os municípios teriam que reestudar a ocupação do espaço geográfico. Tem que haver um plano diretor, do uso do solo, para evitar que mais vidas sejam ceifadas. Se não levar em conta esses aspectos, eventualmente vamos ter sempre os municípios decretando calamidade. Tem que ser trabalhado prevenção e reordenação da ocupação do solo urbano”, disse.

Nenhum comentário:

Postar um comentário