Arnaldo Chuster (*)
Pobre do país que acredita em medidas exclusivamente repressoras como solução para problemas educacionais. Pior ainda se estes problemas estiverem atrelados a características culturais arraigadas. Pois ao se aplicar a repressão significa que não se acredita em Educação e se desrespeita a Cultura do seu povo.
A Cultura brasileira é uma cultura de comemoração. Comemora-se de tudo e com ânimo desinibido e ingênuo na maior parte das vezes. A bebida faz parte e sempre fez parte destas comemorações. Não havia denúncia de mal nesta relação. Sabia-se que se por ventura ocorria o excesso este não tinha nada a ver com a bebida, mas com problemas emocionais e mentais que continuarão ocorrendo com ou sem a repressão.
É nesta encruzilhada entre educação/cultura versus repressão na qual se encontra o que se denomina de Lei Seca em nosso país. Nome de batismo certamente inspirado naquela Lei surgida nos anos 20 nos Estados Unidos da América, cujo desastroso resultado é mais conhecido pela faceta do gangsterismo e pelo aumento do consumo de álcool com consequências perdurando até o presente.
Criada pelo puritanismo e pela hipocrisia política (leia-se também fascismo) a Lei Seca norte-americana não serviu nem de lição e nem garantiu um pouco do uso da imaginação aos seus criadores no Brasil do século XXI. Sugere mais o deboche de quem manteve o nome, e isto nas nossas caras, talvez por demais acostumadas com esses deboches políticos.
Na verdade, a Lei Seca nos Estados Unidos incensava o fascismo que estava tomando o rumo do seu auge no século XX. Assim é muito doloroso constatar que aqui se repete a fórmula infame apesar de transcorridos tantos anos de lições duras da História. Nada se aprende quando a Educação não é valorizada. Ou seja, estamos ainda muito atrasados e fazendo de conta que criamos leis avançadas.
Louvada como medida que salva vidas a Lei Seca legaliza o fascismo e insiste em rasgar o Estado de Direito ao acintosamente desrespeitar as leis que garantem a defesa do cidadão, e marginaliza a priori toda população tal como se fazia no regime militar. Surge o pretexto para se parar o cidadão arbitrariamente, humilhá-lo com a falsa cortesia das abordagens policiais. Se o cidadão não está agindo de forma desviante e irregular por que pará-lo em “blitzes” (nome muito usado pelos nazistas)?
Na realidade, até hoje nunca se parou seriamente para pensar no dano psíquico e cultural causado pela ditadura no Brasil, mas não é difícil ver muitas das suas consequências na política atual e na mentalidade policial. Assim se repete a maldade e a estupidez depositando confiança na repressão e não na Educação. A face obscura da Lei seca é exatamente isto: cinismo, hipocrisia, repressão policial, truculência, estupidez.
Lembro que nos regimes nazista e fascista a criminalidade caiu muito. Afinal, os criminosos foram todos empregados nas funções perversas do Estado. O indivíduo tinha muitas opções de trabalho no qual exerciam protegidos pela Lei, o mais cruel dos sadismos. Alguém duvida que estes indivíduos que trabalham na Lei Seca não estejam ali para se regozijarem do sofrimento e da dificuldade das pessoas, apoiados pela sanha arrecadadora que alimenta a corrupção maior dos políticos? Talvez eles próprios duvidem do que representam de obscuro e fazem de conta que são boas pessoas. Não são! Se fossem estariam em outras funções.
Hipocrisia maior quando se constata que a Lei persegue os usuários de bebida alcoólica, mas ignora totalmente que existem milhares de pessoas dirigindo sob o uso de antidepressivos, ansiolíticos, antipsicóticos, anti-histamínicos, e que as estúpidas máquinas não podem detectar. A bula destes medicamentos adverte que não se deve operar máquinas, o que inclui obviamente veículos (não custa assinalar o óbvio para os políticos e pseudo-legisladores).
Tampouco os bafômetros detectam os que dirigem com o ativo efeito de maconha, cocaína, heroína, LSD e demais drogas. Certamente, todas estas substâncias podem causar tanto ou mais acidentes do que o álcool.
Mais estarrecedor é constatar que a Lei sofreu um endurecimento maior ainda por parte dos magistrados do Supremo Tribunal Federal. Chegaram à tolerância zero. E isto por parte de pessoas de quem se esperava, por ocupar tais insignes cargos, um razoável respeito pelas medidas educacionais e pela compreensão melhor do ser humano. Sem falar no respeito à História, ao Estado de Direito e, a Constituição Federal.
Se o Estado deseja proteger as pessoas de problemas causados pela bebida alcoólica que melhorem as condições das escolas e dos professores, e instalem programas educativos desde a primeira escola. Valorizem a Educação.
Também preparem melhor as polícias para orientar o cidadão, criem medidas que possam dar ao contraventor uma nova chance para se educar e se orientar antes de puni-lo com uma severidade cujos benefícios são meramente do lado da voracidade arrecadadora do Estado incompetente. Vamos dizer Não ao fascismo no Brasil e denunciá-lo na sua forma disfarçada.
(*) Médico Psiquiatra e Psicanalista Membro Efetivo e Didata da Sociedade Psicanalitica do Rio de Janeiro
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