quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Entre a cruz e a espada

Eliane Cantanhêde (*)

A presidente Dilma Rousseff está cuidando bem da imagem na opinião pública, mas pode estar descuidando das suas relações com a poderosa base aliada --os partidos e parlamentares que apoiam o seu governo no Congresso.

Os índices de popularidade de Dilma estão nas alturas, mas ela já acumula atritos no PMDB, está em guerra com o PTB e tem de enfrentar a ira nada santa da bancada evangélica, que é suprapartidária e, além de ser forte no Congresso, tem muita influência no eleitorado.

Com o PMDB, é o de sempre: o partido vai com muita sede ao pote das nomeações e liberações e parece insaciável. Com o PTB, a origem da crise é o escândalo na Casa da Moeda: quando a casa caiu, o governo disse que o presidente demitido, Luiz Felipe Denucci, era indicação do partido, mas o partido disse que era escolha pessoal do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Enfraqueceu a posição do ministro mais poderoso do governo.

O atrito Dilma-PMDB foi contornado pela mediação do vice-presidente da República, o pemedebista Michel Temer. Na crise com o PTB, Dilma está jogando duro, demitindo, ou ameaçando demitir, os apadrinhados petebistas de cargos disputadíssimos, por exemplo, na Caixa Econômica Federal.

Quanto aos evangélicos, as questões são muito mais delicadas, porque contrapõem fé religiosa a posições leigas de governo, mas há também a disputa política. Além de condenarem o kit anti-homofobia em estudo no MEC, eles temem que a nomeação da professora Eleonora Menicucci para a Secretaria da Mulher seja o estopim da descriminalização do aborto. E romperam com Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria Geral da Presidência.

Em discurso no Forum Social de Porto Alegre, Carvalho, que é católico de carteirinha, exortou as esquerdas a disputarem com os evangélicos a classe média emergente. Uma "disputa ideológica", pregou. A bancada evangélica está em pé de guerra.

No caso do aborto, Dilma fica na posição do "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come". Como mulher, ela precisa avançar na discussão sobre o aborto legal, baseada numa questão de saúde e humanitária --já que milhares de mulheres morrem por abortos clandestinos. Como presidente, ela não pode virar as costas à forte bancada evangélica e principalmente à parcela religiosa da sociedade, que não é nada desprezível.

Equilibrar-se nessa balança é um dos maiores desafios da primeira presidente mulher do Brasil. E vai definir com que cara e com que identidade ela vai entrar para a história.

(*) Jornalista é colunista da Folha de São Paulo e da Folha.com 

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