Opinião do Estadão
Não chega a ser surpreendente o fato revelado pelo portal do Estado ao divulgar o vídeo que acrescenta a hoje deputada federal Jaqueline Roriz à lista de políticos brasilienses que se envolveram no escândalo que ficou conhecido como "mensalão do DEM". A comprovação dessas denúncias custou o mandato do governador José Roberto Arruda e marcou o início do fim do Democratas como partido político de expressão nacional. Mas, sobretudo, esses lamentáveis acontecimentos revelam o estado de putrefação a que chegou o corpo político do Distrito Federal (DF), contaminado por uma corrupção endêmica que se apresenta certamente como o maior desafio para o governador Agnelo Queiroz, eleito no ano passado e há menos de três meses no poder.
Embora tenha ficado conhecido como "mensalão do DEM" porque estourou quando o governo de Brasília estava nas mãos desse partido, ao qual eram filiados tanto o governador Arruda quanto o vice Paulo Octávio, o escândalo envolveu representantes de praticamente todas as legendas e, segundo as evidências, a cobrança de propina de empresas prestadoras de serviços à administração distrital era prática corrente pelo menos já no governo imediatamente anterior ao de Arruda, chefiado pelo famigerado Joaquim Roriz. De fato, os vídeos revelados pela operação sugestivamente batizada pela Polícia Federal como Caixa de Pandora, que mostram políticos, principalmente deputados distritais, recebendo dinheiro do então secretário de Relações Institucionais do DF, Durval Barbosa, foram gravados em 2006, durante o mandato de Roriz. E é também dessa época o vídeo, só agora liberado, em que a filha de Roriz, então candidata a deputada distrital, recebe - e acha pouco - dinheiro vivo destinado, segundo se alega na gravação, a cobrir seus gastos de campanha. São cenas, como as que já haviam sido mostradas ao público no ano passado, capazes de fazer corar um monge de pedra. Mas que na verdade não chegam a ser exatamente surpreendentes, como dissemos no início desta nota - e isso é muito perigoso para a consolidação das instituição democráticas -, porque os maus políticos se encarregaram de banalizar essas cenas, tornando-as corriqueiras e, por essa razão, cada vez menos capazes de provocar a indignação de cidadãos anestesiados pelo mau exemplo que tem vindo de cima, de completa leniência em relação à malversação da coisa pública. Essa atitude nefasta transformou crimes capitulados em lei em meros "desvios de conduta" e forjadores de documentos em "aloprados".
No caso específico, a deputada Jaqueline Roriz, tardiamente revelada como fiel seguidora das práticas políticas reprováveis que impediram seu pai, no ano passado, de se candidatar mais uma vez ao governo do Distrito Federal, foi constrangida a pedir desligamento da Comissão Especial de Reforma Política da Câmara dos Deputados e a tomar chá de sumiço. E constrangeu tanto o seu partido, o nanico PMN, quanto o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, a ponto de levá-los a fazer contorcionismo verbal para dar uma satisfação pública sobre o episódio.
Apesar de Marco Maia ter prometido a habitual "rigorosa investigação" do caso, com a ameaça de remetê-lo diretamente ao Conselho de Ética da Casa, a quem caberia propor, se assim entender, a cassação do mandato da deputada, a filha de Roriz tem muito pouco a temer. Primeiro, porque, também como de hábito, daqui a algumas semanas ninguém mais se lembrará de seu caso, que ficará na vala comum dos escândalos. Depois, porque os próprios deputados, para não se expor a riscos, já se encarregaram de criar uma eficiente blindagem para suas malfeitorias. Em 2007, o Conselho de Ética da Câmara decidiu que os nobres colegas só são passíveis de julgamento por falta de decoro parlamentar quando a lambança for praticada na legislatura em curso.
Ou seja: passa-se a borracha, jogam-se para debaixo do tapete todos os pecados pretéritos. Na época, a medida tinha o objetivo de poupar dissabores a parlamentares envolvidos no "mensalão do Lula". Mas serve também para aliviar os apertos de toda a alegre confraria.
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