segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Eu, meu avô e o Palmeiras entre nós

Fabio Chiorino (*) 

Já escrevi algumas vezes sobre o meu avô Rafael. Ele foi um personagem determinante quando, aos cinco anos de idade, decidi que carregaria o Palmeiras para o resto da vida. Assim como ele carregou um porco congelado e correu pela sala após a vitória em um clássico. Eram os anos 80, imagine só o esforço para achar uma fresta de felicidade palestrina naquela época. 

Ele chegou a se trancar dentro de um armário para não ver os passos seguros de Evair percorrendo o caminho para o fim da fila. Depois daquele pênalti, sorriu por mais alguns anos, mas a Era Parmalat chegava ao fim sem qualquer legado. Houve um bruto desencontro. O meu avô não reconhecia mais aquele Palmeiras que subia a campo. 
O Palmeiras não reconhecia mais aquele torcedor desinteressado. 

Meu avô sempre gostou de casamentos longos. No trabalho, foram mais de duas décadas na mesma empresa, que o presenteava com o porco congelado. Com a minha avó, outros 50 anos de cumplicidade. Mas no futebol aquela união parecia verdadeiramente abalada. Ele tinha o seu ritual. O radinho de pilha colado no ouvido, o copo de uísque no pé do sofá e os pedidos para a minha avó não passar na frente da TV. 

Levei algum tempo para entender. Não era indiferença, era um antídoto contra o nervosismo. Vô Rafael começou a levar a minha avó Cleide para o cinema sempre nos horários dos jogos. Não era coincidência, e sim uma estratégia. Dentro de campo, ele já sabia que filme assistiria. Dentro de um shopping, havia o benefício da abstração. 

Quando meu pai, também Rafael, me ligou há uma semana com a ideia de levar o meu avô para conhecer o novo estádio, a minha óbvia pergunta já tinha resposta: 
“Sim, ele topou. E vai levar a sua avó”. Não sei se foram as 18 contratações. Não sei se foi o Alexandre Mattos. Não sei se simplesmente foi a curiosidade de conhecer o novo estádio. Ele topou. E, vinte anos depois, nós novamente iríamos juntos a um jogo do Palmeiras. Eu, ele, avó, pais, irmãos, sobrinhas, cunhados. 
Como se decidíssemos comemorar alguma festividade do calendário familiar dentro do Allianz Parque. Obrigado, pai, por isso. 

“O Dudu não joga hoje. Já viu, né?”. Foi a primeira coisa que vô Rafael me disse assim que pisamos no estádio. Um pessimismo já folclórico de quem aprendeu a reduzir as expectativas quando se discute Palmeiras. Sentamos lado a lado. Ele fingiu reclamar de uma coisa ou outra, mas estava feliz de pisar lá dentro. Assim como qualquer outro palmeirense, não foi capaz de reconhecer qualquer vestígio do Parque Antártica. Levantou para cantar o hino. Com a mão no peito. 

Em 30 minutos o Palmeiras já havia liquidado a partida contra o Audax. A cada gol, meu avô dizia que era preciso fazer outro. “Se tomar um agora, complica tudo de novo”. 
Eu concordava com a cabeça, enquanto tentava desfrutar do melhor primeiro tempo do Palmeiras em três anos. Estávamos felizes com aquele início arrebatador e inesperado. 

Lembro perfeitamente. Aos 5 minutos do segundo tempo, meu avô avisou: 
“Paramos de jogar. Não pode”. E repetiu isso como um mantra até o gol de consolação do time de Osasco. Eu conheço bem o nível de perfeccionismo dele. 
Aquele gol não alterava nada, mas era como alguns centavos que não batiam numa extensa conta feita com esmero. 

Deixamos o estádio com aquele sentimento de ternura. Foi doce ouvir a minha avó Cleide dizer que já poderia contar aos outros que tinha ido a um estádio na vida. Isso aos 83 anos. Uma confissão de que, na verdade, ela nem sempre quis estar no cinema na hora dos jogos. Ela também queria estar ao lado do meu avô compartilhando da mesma paixão. Ao descermos as escadas, meu pai clicou a imagem que abre o texto. O abraço esconde a sua última fala antes de nos despedirmos: “Não poderia ter tomado aquele gol. Eu avisei. Não poderia”. E eu sorria, como quem sempre espera a mesma fala de um ídolo. 

(*) É jornalista

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