quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Ciclos e Quadras

Bellini Tavares de Lima Neto (*)


Que importância tem se já existe no teu rosto uma ruga ou outra? 
Eu também já não tenho os mesmos olhos para enxergá-las. Hoje eu vejo muito mais com o coração do que com os olhos. E o coração está cada vez mais acurado. 

Que importância tem se os teus seios já não são tão altivos e soberbos. Eu também já não ando tão ereto quanto andava quando eles olhavam por cima de mim. Hoje, estamos iguais, olhamos de frente e na mesma linha de visão, como já nos disse alguém antes de mim. . 

Que importância tem se o ponteiro da balança anda hoje um pouco mais do que andava tempos atrás? Certamente, a gente também andou muito e muito mais do que cada marca da balança. Essa ficou muito atrás de onde o tempo já nos levou, de cada emoção, de cada sorriso, de cada paixão. 

Que importância tem se, junto com o café da manhã, estão na mesa alguns discretos comprimidos? Afinal, eles não são nossos companheiros desde há muito? Antes eram vitaminas que nos ajudavam a aumentar a força. Hoje são conservantes da nossa integridade. Que bom que eles existem. 

Que importância tem se, apesar do clima tropical, alguns flocos de neve começam a aparecer nos cabelos? Afinal, já está provado que enquanto o preto é a ausência de todas as cores, o branco é exatamente o contrário: a presença de todas elas num majestoso arco-íris. 

Que importância tem se, ao te enlaçar, é preciso um pouco mais de braços? 
Hoje você preenche os meus, tanto quanto preenche os meus sonhos e o meu repouso e a minha sede de paz. Que bom tê-los, os braços, em plena ânsia de enlaçar, de apertar, de acarinhar. 

Importância tem é a história que estamos construindo desde muito tempo quando os sonhos eram outros, muito mais intensos e que termos sabido manter e prosseguir. 
Sonhos não envelhecem desde que os sonhadores saibam trata-los como bonsais que são. 

Importância tem é a canção que há tanto tempo estamos compondo, acorde por acorde, modulando quando o tempo assim requer, agregando sustenidos e bemóis sempre que o dia-a-dia pede um tempero, respeitando as pausas quando elas se fazem necessárias, mas, harmonizando sempre, seja com acordes perfeitos, seja com as dissonâncias, seja com os tons maiores da alegria, seja com os menores de melancolia, todos parte integrante dessa grande sinfonia da vida. 

Importância tem o poema que estamos escrevendo com o nosso cotidiano, ajustando a métrica ou nos permitindo as licenças poéticas, rimando quando assim se faz possível, poetando de maneira concreta quando o momento é de menos sonho e mais realidade, adicionando versos a cada dia de nossas vidas. 

Importância tem a vida que resolvemos viver juntos, a caminhada que optamos por partilhar, os sonhos que resolvemos sonhar e os despertares que decidimos despertar juntos, a despeito da cara amassada das manhãs, do cabelo embaraçado, da necessidade de alongar nossos corpos já temperados pela chama da vida. Importância tem, sim, o nosso pulsar de cada dia, o dia nosso de cada dia, os sonhos que temos colocado no forno para que dourem cada vez mais e recendam àquele cheirinho de café quente das manhãs no campo ou ao bolo de fubá da tardezinha. 

Importância tem o que nós decidirmos que é importante, pois nada será mais importante do que o que nós decidirmos. Importante é não nos impor tanto. Importante é nos impor o tanto de beleza, de magia, de liberdade de que a vida é feita se quisermos que ela seja feita devida e fantasticamente. 

(*) Advogado, escritor, compositor, avô e morador em São Bernardo do Campo (SP)

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