Frei Betto (*)
Teve início, na quarta-feira de cinzas, a Campanha da Fraternidade 2015, promovida pela CNBB. O tema é “Fraternidade: Igreja e Sociedade.” O lema: “Eu vim para servir” (Marcos 10,45). A campanha deste ano tem caráter político, embora apartidário. Como frisa Dom Leonardo Steiner, secretário-geral da CNBB, “os ensinamentos do Concílio Vaticano II nos levam a ser uma Igreja atuante, participativa, consoladora, misericordiosa, samaritana. (...) Os cristãos trabalham para que as estruturas, as normas, a organização da sociedade estejam a serviço de todos” (Texto-Base).
A relação da Igreja Católica com a sociedade brasileira é historicamente contraditória. Aqui os missionários desembarcaram trazidos pelos colonizadores. Se houve um padre Antônio Vieira que se opôs à escravização dos indígenas, nenhum bispo ou sacerdote se destacou contra a escravidão dos negros. Ao contrário, estes foram usados para erguer templos e conventos.
Pela Constituição imperial de 1824, o catolicismo se tornou religião oficial do Estado. Embora a Igreja abrisse escolas pelo país e acolhesse enfermos em Santas Casas de Misericórdia, ela não implantou aqui, no período colonial, uma única universidade, ao contrário do que ocorreu na América hispânica, onde os frades dominicanos fundaram universidades na República Dominicana, no Peru e em Cuba.
Com a proclamação da República, a Igreja ganhou autonomia em relação ao Estado.
Na primeira metade do século XX, mirou com simpatia o integralismo, promoveu acirrada campanha anticomunista, praticou ferrenho antiecumenismo, atacando protestantes e espíritas e favorecendo o antissemitismo. Ensaiou ainda uma confessionalização da política através da Liga Eleitoral Católica, cujos candidatos deveriam prestar obediência à autoridade eclesiástica, prática que se repete, hoje, em Igrejas evangélicas.
As relações entre Igreja Católica e sociedade ganharam caráter progressista nos anos 1940, com a fundação da Ação Católica e de intelectuais que, no Rio, se agruparam em torno do cardeal Leme, do padre Leonel Franca e do Centro Dom Vital.
Na década seguinte, nasceria a CNBB e, logo, o Movimento de Educação de Base e sindicatos rurais propostos por bispos.
Embora a CNBB tenha apoiado o golpe de 1964, em reunião no Rio, em abril daquele ano (à qual estive presente, como membro da direção nacional da Ação Católica), após o AI-5 cresceu a tensão entre Igreja e ditadura. Leigos, religiosas, padres foram presos, torturados (inclusive Dom Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu) e assassinados.
A CNBB se tornou a voz dos que não tinham voz. Defendeu perseguidos políticos, denunciou reiteradas vezes a ditadura, criou um leque de Pastorais Sociais, fez o papa João Paulo II, em sua primeira visita ao Brasil (1980), dar as costas aos militares.
Com o fim da ditadura, a Igreja prosseguiu sua missão profética na defesa dos direitos humanos e na exigência de reformas estruturais, como a agrária. Essa atuação se arrefeceu com João Paulo II e Bento XVI. As Comunidades Eclesiais de Base perderam apoio episcopal, a Teologia da Libertação sofreu censuras, os bispos progressistas foram desprestigiados. Mas a CNBB exerceu papel preponderante na aprovação da lei da Ficha Limpa e, hoje, apoia a reforma política e o fim do financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas. Em tempos de papa Francisco, ressurge o profetismo da conferência episcopal.
Falta à Igreja Católica estreitar seus vínculos com o mundo da ciência, da cultura e da juventude, tornando suas escolas núcleos de evangelização. Como se explica que os economistas brasileiros mais indiferentes aos direitos dos pobres tenham sido formados em colégios e universidades católicas?
(*) Escritor e religioso dominicano
Teve início, na quarta-feira de cinzas, a Campanha da Fraternidade 2015, promovida pela CNBB. O tema é “Fraternidade: Igreja e Sociedade.” O lema: “Eu vim para servir” (Marcos 10,45). A campanha deste ano tem caráter político, embora apartidário. Como frisa Dom Leonardo Steiner, secretário-geral da CNBB, “os ensinamentos do Concílio Vaticano II nos levam a ser uma Igreja atuante, participativa, consoladora, misericordiosa, samaritana. (...) Os cristãos trabalham para que as estruturas, as normas, a organização da sociedade estejam a serviço de todos” (Texto-Base).
A relação da Igreja Católica com a sociedade brasileira é historicamente contraditória. Aqui os missionários desembarcaram trazidos pelos colonizadores. Se houve um padre Antônio Vieira que se opôs à escravização dos indígenas, nenhum bispo ou sacerdote se destacou contra a escravidão dos negros. Ao contrário, estes foram usados para erguer templos e conventos.
Pela Constituição imperial de 1824, o catolicismo se tornou religião oficial do Estado. Embora a Igreja abrisse escolas pelo país e acolhesse enfermos em Santas Casas de Misericórdia, ela não implantou aqui, no período colonial, uma única universidade, ao contrário do que ocorreu na América hispânica, onde os frades dominicanos fundaram universidades na República Dominicana, no Peru e em Cuba.
Com a proclamação da República, a Igreja ganhou autonomia em relação ao Estado.
Na primeira metade do século XX, mirou com simpatia o integralismo, promoveu acirrada campanha anticomunista, praticou ferrenho antiecumenismo, atacando protestantes e espíritas e favorecendo o antissemitismo. Ensaiou ainda uma confessionalização da política através da Liga Eleitoral Católica, cujos candidatos deveriam prestar obediência à autoridade eclesiástica, prática que se repete, hoje, em Igrejas evangélicas.
As relações entre Igreja Católica e sociedade ganharam caráter progressista nos anos 1940, com a fundação da Ação Católica e de intelectuais que, no Rio, se agruparam em torno do cardeal Leme, do padre Leonel Franca e do Centro Dom Vital.
Na década seguinte, nasceria a CNBB e, logo, o Movimento de Educação de Base e sindicatos rurais propostos por bispos.
Embora a CNBB tenha apoiado o golpe de 1964, em reunião no Rio, em abril daquele ano (à qual estive presente, como membro da direção nacional da Ação Católica), após o AI-5 cresceu a tensão entre Igreja e ditadura. Leigos, religiosas, padres foram presos, torturados (inclusive Dom Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu) e assassinados.
A CNBB se tornou a voz dos que não tinham voz. Defendeu perseguidos políticos, denunciou reiteradas vezes a ditadura, criou um leque de Pastorais Sociais, fez o papa João Paulo II, em sua primeira visita ao Brasil (1980), dar as costas aos militares.
Com o fim da ditadura, a Igreja prosseguiu sua missão profética na defesa dos direitos humanos e na exigência de reformas estruturais, como a agrária. Essa atuação se arrefeceu com João Paulo II e Bento XVI. As Comunidades Eclesiais de Base perderam apoio episcopal, a Teologia da Libertação sofreu censuras, os bispos progressistas foram desprestigiados. Mas a CNBB exerceu papel preponderante na aprovação da lei da Ficha Limpa e, hoje, apoia a reforma política e o fim do financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas. Em tempos de papa Francisco, ressurge o profetismo da conferência episcopal.
Falta à Igreja Católica estreitar seus vínculos com o mundo da ciência, da cultura e da juventude, tornando suas escolas núcleos de evangelização. Como se explica que os economistas brasileiros mais indiferentes aos direitos dos pobres tenham sido formados em colégios e universidades católicas?
(*) Escritor e religioso dominicano
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