domingo, 8 de fevereiro de 2015

O choque elétrico de Dilma

IstoÉ Dinheiro 

Há uma velha máxima, creditada ao falecido presidente Tancredo Neves, segundo a qual “a energia mais cara é aquela que você não tem”. Passadas três décadas da morte do político mineiro, empresários e consumidores sofrem com reajustes superiores a 70% nas tarifas e ainda se preparam para um risco cada vez maior de apagão. É um cenário surpreendente para quem acreditou nas palavras da presidenta Dilma Rousseff, que, há dois anos, anunciara a redução da tarifa em 18% para as residências e 32% para as indústrias. “Isso significa que o Brasil vai ter energia cada vez melhor e mais barata”, afirmou Dilma, em cadeia de rádio e TV. 

“Sem nenhum risco de racionamento ou qualquer tipo de estrangulamento no curto, no médio ou no longo prazo.” Não foi bem assim. Nos últimos dois anos, a crise do setor elétrico vem se agravando. “Os rombos são bilionários, falta linha de transmissão, não tem licença ambiental e a sociedade foi convencida de que havia energia sobrando e barata”, diz Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil. “A falta de chuvas foi apenas um dos problemas.” Até hoje os investidores não digeriram as mudanças na regra do jogo que permitiram o barateamento da energia. 


Para piorar, a escassez de chuvas nos reservatórios das usinas hidrelétricas obrigou o governo a acionar as térmicas, que geram energia mais cara e poluente. Por contrato, as distribuidoras podem repassar imediatamente esse aumento aos consumidores, mas a presidenta Dilma, preocupada com a reeleição, preferiu transferir parte do ônus para os cofres públicos, com um aporte do Tesouro Nacional de R$ 10 bilhões. Na prática, todos os brasileiros pagaram essa conta através de impostos. Além disso, um pool de 13 bancos públicos e privados emprestou R$ 17,8 bilhões às distribuidoras, em troca do adiamento dos reajustes para depois do período eleitoral. 

A bomba claramente estava armada para explodir em 2015, mas a então candidata do PT garantia que tudo não passava de intriga da oposição. No dia 6 de maio de 2014, em jantar com jornalistas no Palácio da Alvorada, Dilma afirmou que não haveria “tarifaço nenhum” em 2015, se referindo à gasolina e à energia. Quase dois meses depois, na Confederação Nacional da Indústria (CNI), ela ressaltou: “Eu acho essa história de tarifaço prima-irmã da ‘tempestade perfeita’, do racionamento de energia e das profecias que não aconteceram.” No dia 5 de setembro, a um mês do primeiro turno, a presidenta-candidata negou novamente a possibilidade de ocorrer um “tarifaço”. Era bravata eleitoral. 

Na terça-feira 3, a Agência Nacional de Energia Elétrica autorizou a primeira leva de reajustes ordinários para seis distribuidoras do interior de São Paulo e da Paraíba. 
O aumento salgado de até 45,7% também contabiliza o encarecimento da energia gerada por Itaipu. “Entre os fatores que colaboraram para os reajustes das empresas estão os custos com transmissão e compra de energia e pagamento de encargos setoriais”, diz a Aneel. As demais empresas, como a AES Eletropaulo, em São Paulo, e a Light, no Rio de Janeiro, terão seus aumentos anunciados conforme calendário anual. 

Na ponta do lápis, porém, as tarifas vão subir muito mais por causa das bandeiras tarifárias, em vigor desde o começo do ano. O novo sistema prevê que a conta de luz fique mais cara sempre que as usinas térmicas forem acionadas. Na noite da quinta-feira 5, o governo determinou que, em caso de bandeira vermelha, haja um acréscimo de R$ 5,50 para cada 100 kWh gastos, o que encarecerá a conta em até 15%. Além disso, a partir de março, os consumidores das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste ainda pagarão 19,97% para cobrir as despesas do setor atreladas à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que inclui subsídios para a baixa renda, como o programa Luz para Todos. 

Esse fundo não receberá mais aportes do Tesouro Nacional. No caso das regiões Norte e Nordeste, o reajuste será bem menor, de 3,89%. Somados, os reajustes podem superar, em alguns casos, os 70%. Além de pressionar a inflação, aumentando o risco de estouro do teto da meta, o tarifaço energético significa mais custos e perda de competitividade para as empresas. “A elevação dos valores é um obstáculo adicional para a recuperação da atividade industrial, principalmente no curto prazo”, diz Mônica Messenberg, diretora de relações institucionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI). 

Na terça-feira 3, o IBGE divulgou que o setor industrial encolheu 3,2% no ano passado, o pior desempenho desde a crise internacional, em 2009. Classificadas de “grandes consumidoras”, as indústrias consomem 41% de toda a energia produzida no País. 
Em geral, as empresas possuem contratos de longo prazo para não ficar sujeitas às oscilações pontuais, mas a sua renovação é influenciada pelos preços praticados no mercado. No caso da multinacional de embalagens Dixie Toga, que conta com 14 unidades fabris espalhadas pelo Brasil, a energia representa 16% dos custos totais. Na tentativa de obter preços mais vantajosos, a companhia compra 40% da energia no mercado livre e 60% no cativo. 

Porém, com dois contratos do mercado cativo prestes a vencer, o diretor-financeiro da multinacional, Marcos Barros, estima um aumento médio de 30% no custo. “Para nossa empresa, qualquer percentual adicional em energia resulta em impactos imediatos”, diz Barros. Os contratos no mercado livre também não deixarão por menos. Enquanto em 2014 o gasto médio da companhia foi de R$ 37 milhões, com a disparada dos preços, o custo pode chegar a R$ 45 milhões. “Teremos de repassar o custo ao preço do produto”, afirma o executivo. “Vamos negociar com os clientes, mas não tem jeito, isso chegará ao consumidor final.” 

RACIONAMENTO 
Duas semanas após o apagão que deixou 11 Estados e o Distrito Federal sem energia, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico aumentou de 4,9% para 7,3% o risco de faltar energia nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Adicionado ao fantasma da crise hídrica, o tema vem sendo acompanhado com atenção – e preocupação – pela cadeia automotiva, que representa 23% do PIB industrial. Um levantamento da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) mostra que o consumo de água das montadoras caiu 29% entre 2008 e 2011, enquanto o uso de energia foi reduzido em 37% no período de 2001 a 2013. 

“As empresas estão investindo em pequenas centrais hidrelétricas e em energia eólica e solar”, diz Marco Saltini, vice-presidente da Anfavea. Dentre os setores industriais mais prejudicados pela crise energética estão os de plástico, alumínio e químico. Para o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso do Sul, Sérgio Longen, não bastasse o empresariado lidar com a burocracia, uma maior pressão de custo dificulta ainda mais o desempenho do setor privado. 

“Temos importado cada vez mais produtos para atender à demanda nacional.
Até quando?”, indaga Longen, que vê com preocupação uma tendência de os associados procurarem oportunidades em outros países. “Para tornar o negócio mais competitivo, empresas brasileiras têm procurado outros mercados, como o Paraguai.” Com larga experiência no setor, o professor da USP José Goldemberg teme um efeito dominó na economia, com mais inflação e menos PIB. “Isso irá respingar no emprego, pois aumenta o custo e a empresa precisará cortar gastos”, diz Goldemberg. Esse, sim, pode significar um verdadeiro choque elétrico nas previsões econômicas. 

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