quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Mega biodiversa, Amazônia tem paisagem homogênea

Estadão 

Igapó ao longo do rio Jaú, no Parque Nacional do Jaú, na região central da Amazônia
A floresta mais biodiversa do mundo apresenta uma paisagem homogênea. É o que descobriu uma força-tarefa que reuniu mais de cem pesquisadores em torno de algumas perguntas aparentemente simples, mas que até então não tinham resposta: Quantas árvores existem na Amazônia? De que espécies? E quais são as mais comuns? 

A partir da contagem de indivíduo por indivíduo em 1.170 áreas espalhados por toda a floresta, os cientistas estimaram que nos 6 milhões de km² da bacia ocorrem cerca de 390 bilhões de árvores, de aproximadamente 16 mil diferentes espécies. O número que mais surpreendeu, porém, foi o da última pergunta. Somente 227 espécies respondem por metade de todas as árvores do bioma. 

O trabalho, divulgado na edição de hoje da revista americana Science, mostra que o todo da vegetação se segura nesse conjunto muito pequeno de espécies, só 1,4% do total, quantidade menor do que a flora de árvores norte-americana. 

“Isso nos surpreendeu. Em qualquer ecossistema, poucas espécies são comuns e muitas são raras. Mas não esperávamos que fosse um número tão pequeno. Imaginávamos que algo entre 5% a 10% das espécies seriam dominantes”, disse ao Estado Hans ter Steege, da Universidade de Utrecht (Holanda), líder do trabalho. 

“Mas isso não muda o fato de que a Amazônia é a mais rica área florestal no mundo. Só nos mostra que a distribuição de indivíduos dentro das espécies é um pouco diferente do que imaginávamos”, complementa. 

O estudo apontou que entre as mais comuns – ou hiperdominantes, como apelidaram os pesquisadores – estão espécies bastante simbólicas do Brasil, como a castanha do Pará, o cacau, a seringueira. A palmeira do açaí (Euterpe precatória) é a campeã, com 5,21 bilhões de indivíduos. 

Não à toa, são justamente as árvores cultivadas há milênios pelas populações locais e que até hoje tem amplo uso econômico. Esse aproveitamento, sugerem os pesquisadores, pode ser um dos motivos para elas terem se espalhado tanto. 

Essa hiperdominância, porém, não ocorre do mesmo modo em toda a Amazônia. Ela se dá de acordo com a afinidade com os cinco tipos florestais que ocorrem dentro do bioma – terra firme, várzea, floresta de areia branca, pântanos e igapó – e com a região. Somente uma das espécies foi observada nas seis regiões estudadas (a Eschweilera coriacea, conhecida popularmente como matamatá) e nenhuma delas ocorre nos cinco tipos de floresta. 

A maior parte das espécies, por outro lado, ocorre de modo muito restrito e endêmico. Sendo que mais de um terço das espécies (36%, ou 5.800) são extremamente raras, com populações com menos de mil indivíduos. De acordo com os autores, essa ocorrência tão irrisória é suficiente para dizer que essas espécies estão globalmente ameaçadas. Juntas elas respondem por somente 0,0003% de todas as árvores da Amazônia. 

Inventário. 
Esta é a primeira vez que se consegue fazer um levantamento tão amplo para toda a Amazônia. Outras contagens já tinham sido feitas em escala regional, mas os cientistas nem sequer sabiam quais eram as espécies mais comuns em todo o bioma. 

Para fazer o inventário, Steege convocou uma centena de pesquisadores que já trabalhavam na região e criou a Rede de Diversidade de Árvores da Amazônia. Dados que vinham sendo coletados desde 1934 (até 2011) foram aproveitados. 

Um dos principais colaboradores foi o botânico brasileiro Rafael Salomão, do Museu Paraense Emílio Goeldi, que contribuiu com mais de 100 parcelas de levantamento florístico. Em linhas gerais, isso consiste em mapear, em áreas de 1 hectare (equivalente a um campo de futebol), quantas árvores com mais de 10 centímetros de diâmetro de tronco estão ali e de quais espécies. 

Salomão conta que os seus inventários já davam uma ideia dessa hiperdominância. “Tinha observado que cerca de um terço das espécies apresentavam por parcela apenas um único indivíduo.” 

O problema dessa raridade, diz, é que cerca de 5 mil espécies ainda não foram descritas pela ciência – conforme estima a pesquisa – e podem não ser justamente porque é muito difícil achá-las. “E para descrevê-las é preciso que elas tenham flor e fruto, o que realmente precisa de muita sorte”, diz. 

As descobertas são importantes para esforços de conservação. “Com nossas estimativas de população podemos identificar quais são as espécies mais vulneráveis, onde elas estão e quanto de sua população já foi perdida”, afirma Steege. Esses dados, por exemplo, podem nortear políticas de criação de áreas protegidas. 

Para Salomão, outra importância do trabalho se dá no contexto do Código Florestal, lei que estabelece que propriedades privadas que tenham desmatado ilegalmente precisam recuperar essas áreas com mata nativa. 

“É provável que as espécies hiperdominantes favoreçam o desenvolvimento das outras, informação que pode ser útil ao recuperar um passivo ambiental”, diz. “Se o proprietário não tiver muita informação sobre o que havia na área anteriormente, pode usar algumas dessas espécies. Com certeza elas vão ter sucesso na restauração.”

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