Pasquale Cipro Neto (*)
Estava na capa da Folha do último dia 15: "Dilma manda rivais estudarem; Marina vê retrocesso no país". Alguns leitores reclamaram do emprego da forma "estudarem", ou seja, reclamaram do emprego da forma flexionada do infinitivo. Para esses leitores, a forma correta seria "Dilma manda rivais estudar".
Ai, ai, ai... Como diz uma querida senhora (que não está longe dos 80), "pode até pensar, mas não pode dizer". Tradução: é melhor eu não dizer o que penso da arbitrariedade dessas "autoridades linguísticas".
Quem já teve dois segundos de interesse pelos fatos da língua sabe muito bem que o emprego do infinitivo é verdadeira cilada. Vale a pena ver o que diz sobre o tema a sempre importante "Nova Gramática do Português Contemporâneo", dos queridos e saudosos Celso Cunha (brasileiro) e Lindley Cintra (português):
"O emprego das formas flexionada e não flexionada do infinitivo é uma das questões mais controvertidas da sintaxe portuguesa. (...) Em verdade, os escritores das diversas fases da língua portuguesa nunca se pautaram, no caso, por exclusivas razões de lógica gramatical, mas se viram sempre, no ato da escolha, influenciados por ponderáveis motivos de ordem estilística, tais como o ritmo da frase, a ênfase do enunciado, a clareza da expressão. Por tudo isso, parece-nos mais acertado falar não de regras, mas de tendências que se observam no emprego de uma e de outra forma do infinitivo".
Em seguida, os autores dão uma relação de algumas das tendências observadas, o que também se vê em outras boas gramáticas, que, como a de Cunha e Cintra, também se baseiam na observação das tendências.
Uma dessas tendências se refere ao caso em tela (o da manchete da Folha), em que há um verbo auxiliar chamado causativo ("mandar") + infinitivo ("estudar"). Dizem as boas gramáticas que, nesses casos, quando o sujeito do infinitivo é expresso por um pronome oblíquo, o infinitivo costuma ocorrer em sua forma não flexionada: "Eu as deixei entrar"; "Ele os mandou sair"; "Não nos deixeis cair..."; "Mande-os ler"; "Faça-os ficar"; "Deixai-as vir a mim".
Quando o sujeito do infinitivo é um substantivo, posto entre o verbo auxiliar e o infinitivo, qual é a tendência? Ocorrem as duas formas do infinitivo: "Deixai as criancinhas vir (ou virem') a mim"; "Quero (...) ver as águas dos rios correr" (como escreveu Candeia em "Preciso me Encontrar") ou "Quero ver as águas correrem".
No título desta coluna, há um trecho da antológica canção "Língua", de Caetano Veloso. Diz a letra: "E deixe os Portugais morrerem à míngua". Caetano optou por "morrerem", forma que enfatiza o sujeito do infinitivo ("Portugais"); poderia ter optado por "morrer", forma que enfatizaria o processo expresso pelo verbo, e não o seu agente.
Como se vê, o título da Folha ("Dilma manda rivais estudarem...") se apoia numa das tendências verificadas no uso do infinitivo. A outra tendência é a opção pela forma não flexionada ("estudar"), igualmente abonada nos registros cultos da língua.
Moral da história: é perfeitamente possível substituir a forma escolhida pelo jornal ("estudarem") pela não flexionada ("estudar"), mas é bom lembrar que "perfeitamente possível" não equivale a "obrigatório".
A esta altura, algum defensor do reducionismo geral talvez já esteja dizendo que bastaria dizer que tanto faz. Não "tanto faz", caro leitor. O que se diz, nesse caso (e em tantos outros), é "depende". E depende de quê? Repito um trecho do que dizem Cunha e Cintra: "...influenciados por ponderáveis motivos de ordem estilística, tais como o ritmo da frase, a ênfase do enunciado, a clareza da expressão". É isso.
(*) Professor de português desde 1975. Colaborador da Folha de São Paulo desde 1989
Estava na capa da Folha do último dia 15: "Dilma manda rivais estudarem; Marina vê retrocesso no país". Alguns leitores reclamaram do emprego da forma "estudarem", ou seja, reclamaram do emprego da forma flexionada do infinitivo. Para esses leitores, a forma correta seria "Dilma manda rivais estudar".
Ai, ai, ai... Como diz uma querida senhora (que não está longe dos 80), "pode até pensar, mas não pode dizer". Tradução: é melhor eu não dizer o que penso da arbitrariedade dessas "autoridades linguísticas".
Quem já teve dois segundos de interesse pelos fatos da língua sabe muito bem que o emprego do infinitivo é verdadeira cilada. Vale a pena ver o que diz sobre o tema a sempre importante "Nova Gramática do Português Contemporâneo", dos queridos e saudosos Celso Cunha (brasileiro) e Lindley Cintra (português):
"O emprego das formas flexionada e não flexionada do infinitivo é uma das questões mais controvertidas da sintaxe portuguesa. (...) Em verdade, os escritores das diversas fases da língua portuguesa nunca se pautaram, no caso, por exclusivas razões de lógica gramatical, mas se viram sempre, no ato da escolha, influenciados por ponderáveis motivos de ordem estilística, tais como o ritmo da frase, a ênfase do enunciado, a clareza da expressão. Por tudo isso, parece-nos mais acertado falar não de regras, mas de tendências que se observam no emprego de uma e de outra forma do infinitivo".
Em seguida, os autores dão uma relação de algumas das tendências observadas, o que também se vê em outras boas gramáticas, que, como a de Cunha e Cintra, também se baseiam na observação das tendências.
Uma dessas tendências se refere ao caso em tela (o da manchete da Folha), em que há um verbo auxiliar chamado causativo ("mandar") + infinitivo ("estudar"). Dizem as boas gramáticas que, nesses casos, quando o sujeito do infinitivo é expresso por um pronome oblíquo, o infinitivo costuma ocorrer em sua forma não flexionada: "Eu as deixei entrar"; "Ele os mandou sair"; "Não nos deixeis cair..."; "Mande-os ler"; "Faça-os ficar"; "Deixai-as vir a mim".
Quando o sujeito do infinitivo é um substantivo, posto entre o verbo auxiliar e o infinitivo, qual é a tendência? Ocorrem as duas formas do infinitivo: "Deixai as criancinhas vir (ou virem') a mim"; "Quero (...) ver as águas dos rios correr" (como escreveu Candeia em "Preciso me Encontrar") ou "Quero ver as águas correrem".
No título desta coluna, há um trecho da antológica canção "Língua", de Caetano Veloso. Diz a letra: "E deixe os Portugais morrerem à míngua". Caetano optou por "morrerem", forma que enfatiza o sujeito do infinitivo ("Portugais"); poderia ter optado por "morrer", forma que enfatizaria o processo expresso pelo verbo, e não o seu agente.
Como se vê, o título da Folha ("Dilma manda rivais estudarem...") se apoia numa das tendências verificadas no uso do infinitivo. A outra tendência é a opção pela forma não flexionada ("estudar"), igualmente abonada nos registros cultos da língua.
Moral da história: é perfeitamente possível substituir a forma escolhida pelo jornal ("estudarem") pela não flexionada ("estudar"), mas é bom lembrar que "perfeitamente possível" não equivale a "obrigatório".
A esta altura, algum defensor do reducionismo geral talvez já esteja dizendo que bastaria dizer que tanto faz. Não "tanto faz", caro leitor. O que se diz, nesse caso (e em tantos outros), é "depende". E depende de quê? Repito um trecho do que dizem Cunha e Cintra: "...influenciados por ponderáveis motivos de ordem estilística, tais como o ritmo da frase, a ênfase do enunciado, a clareza da expressão". É isso.
(*) Professor de português desde 1975. Colaborador da Folha de São Paulo desde 1989
Nenhum comentário:
Postar um comentário