Gil Castello Branco (*)
Na Antiguidade, com a inexistência de informações científicas, alguns acreditavam que o dia amanhecia porque o galo cantava. O fato verídico — hoje anedótico — é um alerta para que sejam examinadas com cuidado as relações entre causa e efeito. No rol das ilações descabidas, está prestes a entrar nos trilhos o trem da alegria do esporte bretão.
Com base em alegações patéticas do tipo "o futebol integra o patrimônio cultural brasileiro, possui elevado interesse social e é reconhecido como elemento constituinte da nossa brasilidade", o governo federal está pensando em anistiar as dívidas fiscais bilionárias dos clubes esportivos e dos times de futebol. Além disso, as agremiações — que faturaram entre R$ 40 milhões e R$ 290 milhões em 2012 vendendo direitos de transmissão de TV, ingressos, publicidades, títulos de sócio torcedor, jogadores e patrocínios — ficariam isentas de impostos por serem "entidades sem fins lucrativos". Parece piada.
Na realidade, a bondade da União em relação às dívidas federais (FGTS, INSS e Imposto de Renda), de aproximadamente R$ 3 bilhões, não resolve todo o problema. O rombo total beira os R$ 5 bilhões e inclui tributos estaduais e municipais, empréstimos bancários e processos trabalhistas.
A ideia do perdão com chapéu alheio foi do deputado Vicente Cândido (PT/SP), por coincidência vice-presidente da Federação Paulista de Futebol para a região metropolitana e o ABC. Curiosamente, a "causa" foi apadrinhada pelo ministro do Esporte, mesmo em época de vacas magras na economia em que sobram isenções e falta crescimento. Em 2011, após a "CPI da CBF Nike", o atual ministro, Aldo Rebelo, e o ex-deputado Silvio Torres escreveram o livro CBF/Nike e entraram de sola na cartolagem:
"... são milhões de dólares que rolam em contratos obscuros e desaparecem. Quanto maiores os contratos, mais endividados ficam a CBF, as federações e os clubes, enquanto fortunas privadas formam-se rapidamente, administradas em paraísos fiscais de onde brotam mansões, iates, e se alimenta o poder de cooptação e de corrupção".
Pelo visto, no futebol brasileiro, o crime compensa com o aval federal. À custa do devo não nego, pagarei quando quiser, os clubes já foram favorecidos com dois programas de refinanciamento dos seus débitos e até com a criação de loteria específica, a Timemania, sem a redução do montante devido. Agora, porém, o negócio é de pai para filho, ou de governo para cartola. Os clubes devedores pagariam apenas 10% do principal em 240 meses. Para quitar os 90% restantes as instituições esportivas ofereceriam contrapartidas de incentivo ao esporte olímpico e projetos sociais. No linguajar político-burocrático a "mamata" é chamada de "reestruturação da dívida". Comparativamente, o cidadão comum refinancia o que deve no prazo máximo de 60 meses.
Resta saber, como diria Garrincha, se já combinaram com os "russos". Será que as piscinas e as quadras de tênis do Flamengo e do Fluminense, por exemplo, irão comportar centenas de novos alunos que serão integrados às escolinhas? Os sócios irão arcar com as despesas de transporte, remuneração dos professores, uniformes e alimentação para os jovens carentes?
Paralelamente, qual será o órgão responsável pela fiscalização dos "contratos" que irão trocar as dívidas federais por serviços prestados? A tentativa de punir com perda de pontos nos campeonatos os clubes que não cumprirem o prometido é história da carochinha. Ou será que alguém imagina o Vasco ou o Botafogo perderem títulos porque não pagaram o INSS?
As vésperas da Copa das Confederações, do Mundial e das eleições de 2014 muitas propostas irão surgir por parte de autoridades e políticos com a intenção de associar suas imagens aos eventos. Não é por acaso que já estão brotando terrenos para estádios e centros de treinamento, financiamentos de bancos federais, patrocínios de estatais e incentivos fiscais a rodo. Que o diga o Corinthians, o clube do coração do ex-presidente Lula.
Para 2014 e 2015 já estão previstos quase R$ 2 bilhões de renúncia fiscal para o esporte. Enquanto isso, mais da metade das escolas brasileiras não possui uma quadra esportiva ou a que existe não está em condições de uso. Assim, é necessário que o Ministério Público e a Justiça impeçam que a dívida e a má fé de alguns dirigentes sejam perdoadas com recursos públicos. Afinal, o dia não amanhece porque o galo canta. Mas se a caridade do governo prosperar, acabaremos pagando o Pato e outras transações milionárias.
(*) Economista e fundador da organização não-governamental Associação Contas Abertas
Na Antiguidade, com a inexistência de informações científicas, alguns acreditavam que o dia amanhecia porque o galo cantava. O fato verídico — hoje anedótico — é um alerta para que sejam examinadas com cuidado as relações entre causa e efeito. No rol das ilações descabidas, está prestes a entrar nos trilhos o trem da alegria do esporte bretão.
Com base em alegações patéticas do tipo "o futebol integra o patrimônio cultural brasileiro, possui elevado interesse social e é reconhecido como elemento constituinte da nossa brasilidade", o governo federal está pensando em anistiar as dívidas fiscais bilionárias dos clubes esportivos e dos times de futebol. Além disso, as agremiações — que faturaram entre R$ 40 milhões e R$ 290 milhões em 2012 vendendo direitos de transmissão de TV, ingressos, publicidades, títulos de sócio torcedor, jogadores e patrocínios — ficariam isentas de impostos por serem "entidades sem fins lucrativos". Parece piada.
Na realidade, a bondade da União em relação às dívidas federais (FGTS, INSS e Imposto de Renda), de aproximadamente R$ 3 bilhões, não resolve todo o problema. O rombo total beira os R$ 5 bilhões e inclui tributos estaduais e municipais, empréstimos bancários e processos trabalhistas.
A ideia do perdão com chapéu alheio foi do deputado Vicente Cândido (PT/SP), por coincidência vice-presidente da Federação Paulista de Futebol para a região metropolitana e o ABC. Curiosamente, a "causa" foi apadrinhada pelo ministro do Esporte, mesmo em época de vacas magras na economia em que sobram isenções e falta crescimento. Em 2011, após a "CPI da CBF Nike", o atual ministro, Aldo Rebelo, e o ex-deputado Silvio Torres escreveram o livro CBF/Nike e entraram de sola na cartolagem:
"... são milhões de dólares que rolam em contratos obscuros e desaparecem. Quanto maiores os contratos, mais endividados ficam a CBF, as federações e os clubes, enquanto fortunas privadas formam-se rapidamente, administradas em paraísos fiscais de onde brotam mansões, iates, e se alimenta o poder de cooptação e de corrupção".
Pelo visto, no futebol brasileiro, o crime compensa com o aval federal. À custa do devo não nego, pagarei quando quiser, os clubes já foram favorecidos com dois programas de refinanciamento dos seus débitos e até com a criação de loteria específica, a Timemania, sem a redução do montante devido. Agora, porém, o negócio é de pai para filho, ou de governo para cartola. Os clubes devedores pagariam apenas 10% do principal em 240 meses. Para quitar os 90% restantes as instituições esportivas ofereceriam contrapartidas de incentivo ao esporte olímpico e projetos sociais. No linguajar político-burocrático a "mamata" é chamada de "reestruturação da dívida". Comparativamente, o cidadão comum refinancia o que deve no prazo máximo de 60 meses.
Resta saber, como diria Garrincha, se já combinaram com os "russos". Será que as piscinas e as quadras de tênis do Flamengo e do Fluminense, por exemplo, irão comportar centenas de novos alunos que serão integrados às escolinhas? Os sócios irão arcar com as despesas de transporte, remuneração dos professores, uniformes e alimentação para os jovens carentes?
Paralelamente, qual será o órgão responsável pela fiscalização dos "contratos" que irão trocar as dívidas federais por serviços prestados? A tentativa de punir com perda de pontos nos campeonatos os clubes que não cumprirem o prometido é história da carochinha. Ou será que alguém imagina o Vasco ou o Botafogo perderem títulos porque não pagaram o INSS?
As vésperas da Copa das Confederações, do Mundial e das eleições de 2014 muitas propostas irão surgir por parte de autoridades e políticos com a intenção de associar suas imagens aos eventos. Não é por acaso que já estão brotando terrenos para estádios e centros de treinamento, financiamentos de bancos federais, patrocínios de estatais e incentivos fiscais a rodo. Que o diga o Corinthians, o clube do coração do ex-presidente Lula.
Para 2014 e 2015 já estão previstos quase R$ 2 bilhões de renúncia fiscal para o esporte. Enquanto isso, mais da metade das escolas brasileiras não possui uma quadra esportiva ou a que existe não está em condições de uso. Assim, é necessário que o Ministério Público e a Justiça impeçam que a dívida e a má fé de alguns dirigentes sejam perdoadas com recursos públicos. Afinal, o dia não amanhece porque o galo canta. Mas se a caridade do governo prosperar, acabaremos pagando o Pato e outras transações milionárias.
(*) Economista e fundador da organização não-governamental Associação Contas Abertas
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