quinta-feira, 4 de abril de 2013

Casão

Luiz Guilherme Piva (*) 

Gilberto Freyre gostava de futebol e acreditava ter surgido uma forma brasileira, única, de se jogar. 

Derivada da mestiçagem entre brancos e negros no latifúndio do engenho, essa raça mestiça joga como quem dança, diz Freyre, improvisando passos e movimentos – assim como na capoeira o brasileiro, mestiço, luta como quem dança. 

Não sei se o Raymundo Faoro gostava de futebol. 
Mas um devoto dele, o jornalista Mino carta, gosta. 

Também acredita num tipo brasileiro de jogo, mas acha que ele não existe mais há muito tempo – nem mesmo na Copa de 1982 ele teria ressurgido, exceto como alucinação, demônio a enfeitiçar e iludir. 

Faoro e Carta – suponho, arrisco – não gostam muito de Gilberto Freyre, dado que o intelectual pernambucano faz uso de conceitos culturalistas, raciais e ambientais para – segundo o pensamento mais científico, weberiano, marxista – “justificar” a escravidão e as relações dóceis e carnais da miscigenação entre senhores brancos e escravos negros. 
Mas veneram o conceito-chave de Freyre: a Casa Grande, local do poder do senhor, do patriarca, que a tudo domina, que a tudo incorpora, que substitui o Estado, as instituições e a sociedade para fundar a base da oganização econômica (grande propriedade), social (concentração da riqueza e vasta pobreza ) e política (o poder de poucos). 

Faoro, repetido por Carta, acha que a Casa Grande é o símbolo, a fonte, a concreta configuração dos “donos do poder” no Brasil, que seriam, desde sempre, os mesmos, os que dominam, exploram, controlam o Estado, a sociedade, a política e o povo. 

A Casa Grande, dizem os dois, é que impede, com mão de ferro ou com luvas de seda, a mudança, a transformação social e a ascensão dos explorados – antes escravos, depois operários e miseráveis, o que certamente inclui a maioria dos jogadores de futebol. 

Curiosamente, Freyre, ao falar de futebol no prefácio do livro de Mário Rodrigues (O negro no futebol brasileiro), afirma que o futebol no Brasil se institucionalizou e foi aceito pelas camadas sociais que outros chamariam de dominantes (ou de “estamento”, de donos do poder). 

Isso, segundo Freyre, ajudou a pacificar o povo brasileiro, que, sem o futebol, certamente manifestaria seus impulsos irracionais e violentos, ameaçando a ordem social o poder instituído. 

Juntando tudo, dos três autores, por minha conta: o povo brasileiro, mestiço, forjado nos intercursos raciais entre a Casa Grande e a senzala, joga um futebol único, improvisado, dançado, o qual, ao mesmo tempo, como a própria miscigenação, apascenta seus instintos revoltosos e assegura o domínio permanente dos donos do poder, a Casa Grande. 

Só que o Casagrande, o Walter Casagrande Júnior, o Casão – que traz no nome o que Freyre considera a fonte do poder e da miscigenação pacificadora e do que Faoro e Carta identificam como o dominador ex-machina todo-poderoso, excludente e perverso em relação ao povo e à democracia – é um enorme lutador pela liberdade, a democracia, o prazer, as conquistas, as vitórias e a justiça. 

Casagrande jogou futebol no Brasil e na Itália com o jeito vibrante, aguerrido e contagiante que Freyre, Faoro e Carta não viam nem veem no povo brasileiro. 

Ele fez do futebol não uma expressão do apascentamento das massas ao jogo e ao jugo dos donos do poder, mas a forma mesma de mostrar a luta, a revolta, a consciência, a capacidade de enfrentar, atacar e vencer que o povo brasileiro vem mostrando e impondo ao longo dos anos aos demônios egressos das Casas Grandes. 

E com isso derruba as teses culturalistas de Freyre (que acredita ser possível o convívio manso ditado pela Casa Grande) e as teses metafísicas de Faoro (que desacredita de qualquer possibilidade de mudança, dado o poder supremo, opressor, imobilizador e eterno do demônio da Casa Grande). 

Casagrande é o nosso artilheiro – o que abre fogo contra o inimigo. 

O que vai na frente, apanhando, levantando, se ferindo, se recuperando e batendo, fuzilando, vencendo, deixando demônios, donos do poder, faoros, cartas e freyres imersos na alucinação do conformismo do povo futebolista do Brasil. 

E, nessa luta, Casagrande empolga e multiplica os que se orgulham de estar na sua companhia. 

Eu sou um dele.

(*) Economista e Cientista político 0

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