segunda-feira, 8 de abril de 2013

136 dias em silêncio absoluto ...

Os jornalistas que descobriram a festa surpresa organizada por Lula fingiram que o caso Rose ainda não foi descoberto  

Augusto Nunes (*) 

Divulgadas nesta segunda-feira, as reportagens sobre o evento atestam que muitos jornalistas não foram surpreendidos pela festa surpresa organizada por Lula para comemorar o aniversário de Marisa Letícia ─ e, sobretudo, tentar ficar um pouco melhor no retrato doméstico, severamente danificado pela descoberta do escândalo que protagonizou em parceria com Rosemary Noronha. Tanto sabiam que aguardaram o maridão à saída da Churrascaria Rodeio, na região dos Jardins. Surpreso ficou o ex-presidente ao topar, na madrugada de domingo, com aquela gente armada de gravadores, canetas, blocos de anotações e câmeras fotográficas. 

A substituição do sorriso por vincos avisou que, depois de fugir por mais de quatro meses de conversas do gênero, Lula imaginou ter caído na armadilha da entrevista improvisada, sem pauta previamente definida. Liberados para tratar de quaisquer temas, afligiu-se, é claro que os jornalistas não perderiam a chance de tratar – e com a patroa ao lado – da peça mais perturbadora do do acervo de histórias muito mal contadas que juntou nos últimos 30 anos. Afligiu-se desnecessariamente. 

Como os 70 convivas selecionados pessoalmente por Lula, os jornalistas não estavam lá para tratar de temas incômodos, muito menos de casos de polícia. Nenhum pareceu interessado no assunto. E o galã da pornochanchada criminosa não ouviu uma única pergunta sobre as patifarias que envolvem a gatuna que promoveu a chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo. Graças à cumplicidade ativa do grupo acampado na porta da churrascaria, o silêncio que já completou 136 dias foi prorrogado por prazo indeterminado. 


Pode durar para sempre se todo jornalista mirar-se no exemplo lastimável. Os textos e imagens publicados nesta segunda-feira revelaram que Dilma Rousseff voou de Brasília para São Paulo escoltada por quatro ministros, que Rui Falcão foi o primeiro a chegar, que Alexandre Padilha apareceu tão tarde que ficou só na salada, que o também aniversariante Guido Mantega apagou velinhas ao lado de Marisa Letícia. Os leitores apresentados ao balaio de informações inúteis continuam sem saber o que o ex-presidente tem a dizer sobre a quadrilheira que protegeu desde 2004. 

Não por falta de tempo, demonstram as irrelevâncias enfileiradas pelos caçadores de notícias. Tampouco podem recorrer ao álibo do tempo escasso as três jornalistas designadas pelo jornal Valor para a entrevista exclusiva com Lula publicada em 26 de março. A conversa ocupou uma página inteira da edição. O caso Rose apareceu uma única vez, de relance e sem mostrar o rosto. Não mereceu mais que uma frase espremida entre outras questões numa pergunta só, formulada com a delicadeza de dançarinos de minueto: Desde que deixou a Presidência, o senhor tem sido até mais alvejado que a presidente. Foi acusado de tentar manter a chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo. Agora foi acusado de ter suas viagens financiadas por empreiteiras. Como o senhor recebe essas críticas e como as responde? 

Releiam a sopa de letras condenada a figurar nas antologias dos piores momentos do jornalismo mundial. Para quem vê as coisas como coisas são, Lula é acossado desde o fim de novembro por dezenas de pontos de interrogação, 40 dos quais foram agrupados no post publicado em 4 de março. Para as piedosas inquisidoras do Valor, Lula talvez tenha cometido um só pecado venial: “tentar manter a chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo”. Essa simplificação da roubalheira promovida por outra quadrilha de estimação é tão vergonhosa quanto a resposta do ex-presidente. 

“Quando as coisas são feitas de muito baixo nível, quando parecem mais um jogo rasteiro, eu não me dou nem ao luxo de ler nem de responder”, pontificou o Lincoln de galinheiro. “Porque tudo o que o Maquiavel quer é que ele plante uma sacanagem e você morda a sacanagem”. Dito isso, deu o assunto por encerrado. Em poucas linhas, os participantes da conversa confirmaram que certas manifestações de covardia exigem mais coragem que atos de bravura em combate protagonizados por heróis de guerra. 

É preciso muita coragem para mentir tão descaradamente quanto Lula. Tanta coragem quanto requer a submissão voluntária a um entrevistado que conta mentiras com a segurança de quem sabe que também os entrevistadores não têm compromisso com a verdade. 

(*) Jornalista e Ex-Diretor do Jornal do Brasil, do Jornal Gazeta Mercantil e Revista Forbes. Atualmente na Revista Veja 

Nenhum comentário:

Postar um comentário