Caro Sr. Miller,
Venho por meio desta atualizá-lo sobre o projeto que o senhor trouxe, há mais de um século, do Velho Continente às terras tupiniquins. Saiba que este negócio se tornou a maior empresa de entretenimento que o planeta já viu e hoje movimenta, só nesse país, mais de R$16 bilhões por ano, além de dezenas de milhões de praticantes apaixonados.
Apesar dos números astronômicos apontarem um estrondoso sucesso em tua empreitada, sei que o senhor se afastou e não tem acompanhado os grandes espetáculos, nem frequentado os botequins ou as praças públicas para discutir as reais necessidades do gigante que, a muito custo, ajudastes a construir.
Ora, Sr. Miller, entendo os motivos para a tua repulsa e vergonha. O “filho” pródigo tornou-se promíscuo e esqueceu-se de todos os princípios básicos e objetivos que dele deveriam derivar – como educação e cidadania. Pior que isso, ele aceitou fazer parte de manobras políticas e econômicas ao longo dos tempos, sendo usado por reis, ditadores, mafiosos e todo tipo de gente sedenta por poder que, sábia e inescrupulosamente, enxergou o potencial do teu negócio e investiu pesado para mobilizar massas e arrastar multidões.
É lógico que há fatos negativos que se originaram e se espalharam à partir da “fundação” do teu império e, por isso, entendo o teu distanciamento. Mas nem só de pontos ruins vive teu legado. Há inúmeras conquistas e avanço nas relações sociais, resultados importantes no desenvolvimento cognitivo e físico de seus praticantes, além, é claro, de histórias e mais histórias de um povo que, por meio do talento, encantou e conquistou o mundo. Tanto, que teu negócio é reconhecido como patrimônio nacional do nosso país.
Sr. Miller, por favor, não desanime.
Bendito seja o dia em que o senhor decidiu colocar dentro da mala as alegorias e o livro de regras, atravessar o Atlântico e compartilhar conosco o conhecimento que adquiriu na Grã-Bretanha, cujo intuito era promover e desenvolver as práticas ludopédicas em solo brasileiro.
Esta iniciativa foi fundamental para que o senhor fosse aclamado e reconhecido como um dos principais responsáveis pelo crescimento universal da “empresa” que tem – ou tinha, em sua filial aqui no nosso Brasil – além dos incríveis resultados, a melhor produção industrial e capacitação de artistas geniais.
E, exatamente por isso, seria de vital importância obter a tua opinião acerca dos assuntos atuais, especialmente pelo trágico momento em que vivemos, com violência nos estádios e fora deles, má qualidade do espetáculo, calendário sobrecarregado, Seleção Brasileira na 18ª colocação no ranking da FIFA, Copa do Mundo no Brasil, campeonatos estaduais… Talvez com a sua experiência consigamos enxergar ou entender aonde foi que trocamos os pés pelas mãos.
E olha que não uso essa expressão para me referir aos surrupiadores de “mão grande”, que por tanto tempo mantiveram-se ou mantêm-se à frente das organizações que regem a prática e as competições que o senhor, de coração puro, nos fez conhecer. Meu questionamento vai muito além da corrupção. Ele tange a inércia alheia e se espalha na ineficácia em cumprir os requisitos básicos para ajudar a desenvolver, não só o esporte, mas toda a sociedade brasileira.
Querido Charles, desculpe-me chamá-lo assim, mas como o que espero contar nas cartas a seguir são verdadeiras confissões – daquelas que abrimos apenas aos grandes amigos, especialmente quando nos encontramos em situação de vida ou morte – ouso tratá-lo pelo primeiro nome e permito-lhe tratar-me da mesma forma em caso de resposta.
Aguardo gentilmente teu retorno para que possamos discutir o teu filho, o futebol brasileiro.
Paulo André (*)
(*) Futebolista, Escritor, Filósofo e Artista Plástico . É criador do Instituto Paulo André, uma organização sem fins lucrativos criada com o objetivo de oferecer projetos socioeducativos nas áreas de esporte e cultura para que crianças e jovens tenham a oportunidade de se desenvolverem pessoal e profissionalmente. Atualmente, joga pelo Corinthians.
Venho por meio desta atualizá-lo sobre o projeto que o senhor trouxe, há mais de um século, do Velho Continente às terras tupiniquins. Saiba que este negócio se tornou a maior empresa de entretenimento que o planeta já viu e hoje movimenta, só nesse país, mais de R$16 bilhões por ano, além de dezenas de milhões de praticantes apaixonados.
Apesar dos números astronômicos apontarem um estrondoso sucesso em tua empreitada, sei que o senhor se afastou e não tem acompanhado os grandes espetáculos, nem frequentado os botequins ou as praças públicas para discutir as reais necessidades do gigante que, a muito custo, ajudastes a construir.
Ora, Sr. Miller, entendo os motivos para a tua repulsa e vergonha. O “filho” pródigo tornou-se promíscuo e esqueceu-se de todos os princípios básicos e objetivos que dele deveriam derivar – como educação e cidadania. Pior que isso, ele aceitou fazer parte de manobras políticas e econômicas ao longo dos tempos, sendo usado por reis, ditadores, mafiosos e todo tipo de gente sedenta por poder que, sábia e inescrupulosamente, enxergou o potencial do teu negócio e investiu pesado para mobilizar massas e arrastar multidões.
É lógico que há fatos negativos que se originaram e se espalharam à partir da “fundação” do teu império e, por isso, entendo o teu distanciamento. Mas nem só de pontos ruins vive teu legado. Há inúmeras conquistas e avanço nas relações sociais, resultados importantes no desenvolvimento cognitivo e físico de seus praticantes, além, é claro, de histórias e mais histórias de um povo que, por meio do talento, encantou e conquistou o mundo. Tanto, que teu negócio é reconhecido como patrimônio nacional do nosso país.
Sr. Miller, por favor, não desanime.
Bendito seja o dia em que o senhor decidiu colocar dentro da mala as alegorias e o livro de regras, atravessar o Atlântico e compartilhar conosco o conhecimento que adquiriu na Grã-Bretanha, cujo intuito era promover e desenvolver as práticas ludopédicas em solo brasileiro.
Esta iniciativa foi fundamental para que o senhor fosse aclamado e reconhecido como um dos principais responsáveis pelo crescimento universal da “empresa” que tem – ou tinha, em sua filial aqui no nosso Brasil – além dos incríveis resultados, a melhor produção industrial e capacitação de artistas geniais.
E, exatamente por isso, seria de vital importância obter a tua opinião acerca dos assuntos atuais, especialmente pelo trágico momento em que vivemos, com violência nos estádios e fora deles, má qualidade do espetáculo, calendário sobrecarregado, Seleção Brasileira na 18ª colocação no ranking da FIFA, Copa do Mundo no Brasil, campeonatos estaduais… Talvez com a sua experiência consigamos enxergar ou entender aonde foi que trocamos os pés pelas mãos.
E olha que não uso essa expressão para me referir aos surrupiadores de “mão grande”, que por tanto tempo mantiveram-se ou mantêm-se à frente das organizações que regem a prática e as competições que o senhor, de coração puro, nos fez conhecer. Meu questionamento vai muito além da corrupção. Ele tange a inércia alheia e se espalha na ineficácia em cumprir os requisitos básicos para ajudar a desenvolver, não só o esporte, mas toda a sociedade brasileira.
Querido Charles, desculpe-me chamá-lo assim, mas como o que espero contar nas cartas a seguir são verdadeiras confissões – daquelas que abrimos apenas aos grandes amigos, especialmente quando nos encontramos em situação de vida ou morte – ouso tratá-lo pelo primeiro nome e permito-lhe tratar-me da mesma forma em caso de resposta.
Aguardo gentilmente teu retorno para que possamos discutir o teu filho, o futebol brasileiro.
Paulo André (*)
(*) Futebolista, Escritor, Filósofo e Artista Plástico . É criador do Instituto Paulo André, uma organização sem fins lucrativos criada com o objetivo de oferecer projetos socioeducativos nas áreas de esporte e cultura para que crianças e jovens tenham a oportunidade de se desenvolverem pessoal e profissionalmente. Atualmente, joga pelo Corinthians.
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