quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Velho ou novo, outro ano da tartaruga

Roberto Macedo (*) para O Estado de S.Paulo


O calendário chinês associa um nome de animal a cada ano que passa. A lista tem 12 bichos e o ano em andamento é o do coelho. O novo virá no dia 23 deste mês, do dragão. Li uma lenda sobre a forma como esses 12 foram selecionados e ordenados na lista. Juntamente com os demais, foram submetidos por deuses chineses a uma competição de travessia de um rio. Em primeiro chegou o rato. Com o gato ele pegou carona em cima do boi. O rato, a pretexto de orientar este último, que enxergava mal, e o gato, por não gostar de água. No trajeto, o rato jogou o gato no rio, ao chegar saltou na frente do boi e foi o vencedor. O gato também chegou, mas não entre os primeiros 12, e se tornou inimigo do rato para sempre.


Dessa história só temos aqui muitos bichos. Mas, a julgar pelo noticiário, 2011 teve um quê de ano do rato, e não foi um só que se destacou na disputa pelos desvios de recursos públicos. Gatunos também se destacaram.


Como economista, tenho particular interesse pela direção e velocidade do nosso produto interno bruto (PIB) a cada ano que passa. Nessa avaliação, o usual desempenho de alguns animais serve para sintetizá-la. Assim, 2011 foi mais um ano da tartaruga, com crescimento lento, que se estima perto de apenas 3%. Ainda nessa avaliação se admite a repetição dos bichos mesmo antes de esgotar uma lista, e o cenário hoje é de que a baixa velocidade desse quelônio também marcará o PIB de 2012. Retrocedendo um pouco na história, 2010 foi um ano do coelho (+7,5%) e 2009, do caranguejo (-0,3%). Juntando os dois, foi um biênio da tartaruga.


Voltando a 2011, ele começou com previsões de um desempenho mais rápido, digamos, um ano do macaco, com crescimento perto de 5%. Mas, ao longo do ano a economia perdeu velocidade e o governo federal culpou a tal crise na eurozona, no seu impacto por estas bandas. Mas a explicação é simplista, pois esse impacto se estendeu a outros países e muitos do nosso grupo, o dos emergentes, se saíram bem melhor que o Brasil.


Assim, a Folha de S.Paulo (1.º/1/12, pág. A3), baseada em estimativas da consultoria britânica Economist Intelligence Unit, cobrindo 24 países desse grupo, mostrou nosso país na 20.ª posição em 2011. Para não ficar só em comparações usuais com China e Índia, sempre lá no topo, e olhando aqui por perto, a Argentina destacou-se, com um crescimento estimado de 8,5% do seu PIB. Algo como um ano do cavalo, mas sabe-se que é um dopado por estimulantes, como controle de preços e muitos subsídios, numa corrida em que costuma terminar mal. Aliás, passada a reeleição de Cristina Kirchner, seu governo já cuida de ajustes. Chile e Peru cresceram acima de 6%, a Colômbia, acima de 5% e o México, perto de 4%.



Repetidos diagnósticos da economia brasileira revelam que está excessivamente sujeita ao vaivém da economia mundial e que é muito baixa sua taxa de investimento em formação bruta de capital fixo (como em máquinas, fábricas, fazendas, instalações de empresas comerciais e de serviços e infraestrutura em geral), que aumenta a capacidade produtiva do País e gera mais empregos e rendimentos. Essa taxa está perto de apenas 18% do PIB, enquanto alcança cerca de 40% na China e 30% na Índia, o que explica não só as altas taxas de crescimento desses países, mas sua permanência do topo das listas dos que crescem mais. Os dois sintomas estão ligados, pois se nossa taxa de investimento fosse maior, isso geraria um mercado interno mais forte e uma economia mais robusta e menos dependente do que se passa fora do País.


Avançando no diagnóstico, temos um governo federal que faz muito pouco pelo crescimento mais rápido e sustentado. Fica num "PACzinho" aqui, num incentivo acolá, e gosta mesmo é do poder e de programas sociopolítico-eleitorais, de impacto social discutível, como esse insólito aumento do salário mínimo de R$ 545 para R$ 622, ou 14,13%, que entre outros efeitos agravará despesas em proveito de idosos eleitores, com o País já gastando mais com eles do que com a educação de crianças, que não votam. E o Brasil é iludido pelos superávits primários (receitas menos despesas exceto juros) do mesmo governo, conseguidos primordialmente por avanços na arrecadação de impostos, que asfixia a economia, pois cada vez mais retira recursos de contribuintes que investem bem mais que o governo.


A ação das políticas governamentais precisaria ser muito mais focada na sua própria taxa de investimento. E não apenas em capital fixo, mas também no ensino básico e no desenvolvimento científico e tecnológico. Aliás, até hoje o Brasil não entrou nas listas dos Prêmios Nobel, exceto naquelas que lhe dão zero.


Desde os anos 1980 o País desacelerou seu desempenho econômico, salvo no período 2004-2008, então estimulado principalmente por bons ventos que sopraram da economia mundial. Hoje dela não se pode esperar o mesmo desempenho no horizonte que se contempla, mas tampouco ficar a culpá-la pelos nossos próprios males, que na economia se evidenciam por questões como as apontadas.


Assim, seria importante se nesta virada de ano governantes e governados olhassem mais para seu próprio país e iniciassem uma séria discussão em busca de rumo e velocidade adequados às necessidades nacionais.


E, para não ficar apenas na economia, concluo parafraseando o renomado antropólogo Roberto DaMatta, com sua visão mais completa e integrada dos muitos problemas do Brasil e do seu povo. Conforme concluiu seu artigo de ontem neste jornal (página D8), "em 2011 voltamos a ser atrapalhados não apenas pela economia, em que perdas e danos sempre existem e são - eis o ponto - relativamente impessoais, mas pelo Estado. Um Estado que continua personalizado e aristocratizante, insensível à racionalidade num mundo preocupado com a suficiência e com a sustentabilidade".


(*) Economista (UFMG, USP e Harvard), Consultor Econômico e de Ensino Superior, é Professor Associado à Faap

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