Opinião do Estadão
O veterano Enrique Iglesias, ex-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento e ex-secretário-geral da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, temperou com uma pitada de realismo e de autocrítica o entusiasmo dos latino-americanos com o próprio desempenho nestes anos de crise. A região enfrentou muito bem os efeitos da turbulência financeira e da recessão nos EUA e na Europa. Essa façanha, improvável há duas décadas, foi possibilitada pelas reformas empreendidas nos anos 80 e 90. Houve progresso na gestão das finanças públicas, a inflação foi domada, as contas externas melhoraram, a região acumulou reservas e criou um colchão para amortecer choques externos. A região aprendeu com as crises pelas quais passou. Mas ainda falta muito para alcançar o crescimento sustentado. É preciso, por exemplo, investir muito mais em tecnologia, inovação e, de modo geral, em aumento de produtividade. O lembrete de Iglesias, formulado num painel sobre a América Latina, em Davos, vale principalmente para os países mais industrializados da região.
Os exportadores de matérias-primas ganharam muito desde o início da década. A demanda global esquentou os mercados de commodities e puxou os preços para cima, favorecendo países como Brasil, Argentina, Uruguai, Colômbia e Peru. O impacto da crise de 2008-2009 foi limitado e em 2010 os preços de vários produtos básicos estavam de novo em níveis excepcionalmente altos. A China e outros países emergentes, por sua vez, continuaram em crescimento acelerado e esse foi um dos principais fatores de sustentação das cotações. Também houve alguma especulação, alimentada pelo enorme volume de dinheiro emitido nos EUA e na Europa.
Não há nada errado em aproveitar as oportunidades para ganhar com a exportação de matérias-primas. Mas histórias parecidas com essa já ocorreram, e os países exportadores pouco fizeram para converter a bonança temporária em alavanca de um desenvolvimento mais sólido e duradouro. Por que não escrever uma história diferente, desta vez?
É possível ser um grande vendedor de commodities sem depender desse tipo de exportação como principal fonte de receita comercial. É o caso de vários países desenvolvidos, a começar dos EUA. Mas o Brasil tem caminhado na direção oposta. A maior parte de sua receita de exportação vem sendo proporcionada pela venda de produtos básicos e semimanufaturados. Isso não seria preocupante, se resultasse apenas da valorização desses produtos e das condições do mercado. Mas a história é outra. A indústria brasileira tem enfrentado dificuldades crescentes na disputa de mercados, tanto no exterior como no País.
Além do problema cambial, há deficiências evidentes no sistema produtivo. Parte dos problemas está localizada nas empresas. Outra parte, maior e de remoção mais difícil, está fora das companhias - nas estradas precárias, na burocracia estatal, no altíssimo preço da energia, na péssima formação escolar, na tributação do investimento e da exportação, no excesso de encargos trabalhistas, na timidez da política de inovação tecnológica, etc.
Nenhum desses problemas foi seriamente atacado nos últimos anos. E a história tende a se repetir: a bonança poderá terminar no mercado de commodities e pouco terá mudado no sistema produtivo brasileiro. Mas terá mudado a posição relativa desse sistema no quadro internacional. Outros países terão investido muito mais em obras de infraestrutura, em educação, em tecnologia, em políticas de promoção comercial, etc.
No caso do Brasil, a dependência da exportação de matérias-primas é agravada por ser a China o nosso maior parceiro comercial. Essa relação está caracterizada - o Brasil exporta quase exclusivamente produtos básicos, a China vende apenas manufaturados. Esse é um ponto essencial para qualquer avaliação da estratégia comercial brasileira. Outros latino-americanos, também exportadores de matérias-primas, cuidaram do acesso a outros mercados. Foram mais prudentes.
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