Opinião do Estadão
Quando se fala em rever tarifas de serviços públicos no Brasil, o resultado geralmente é um reajuste para cima. Surpreende, portanto, a notícia de que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) colocou em consulta pública, por 30 dias, a partir do último dia 9, uma proposta de novo modelo tarifário para as ferrovias em operação no País, prevendo uma redução de 15%, em média, dos preços para transporte de carga em geral e que pode chegar a 40% no caso de carga pesada. Embora a revisão tarifária nas ferrovias - privatizadas a partir de 1990 - estivesse prevista para ocorrer a cada cinco anos, esta é a primeira vez que o órgão regulador fixa preços-teto para o transporte ferroviário de carga.
Até agora, as tarifas vinham sendo periodicamente reajustadas com base no IGP-DI. Queixas das concessionárias quanto a uma eventual queda de receitas e outras críticas ao novo modelo serão analisadas pelo órgão regulador, que pode alterar os valores de referência, quando houver justificativa plausível. Prevê-se, no entanto, que, graças ao grau de eficiência já alcançado pelo transporte ferroviário de cargas no País, uma parte dos ganhos operacionais obtidos desde a privatização já pode ser transferida para os usuários.
Para fixar os preços-teto, a ANTT vem há um ano procedendo a levantamento de dados sobre o desempenho de cada uma das concessionárias de ferrovias, para elaborar tabelas específicas de tarifas, levando em conta a carga tributária, os custos operacionais e a taxa de remuneração adequada do capital investido. Prevê a agência reguladora que o novo modelo possa entrar em vigor em abril, depois da análise final das sugestões ou reivindicações apresentadas.
A rebaixa de tarifas beneficiará principalmente os exportadores de produtos primários, uma vez que, como constatou o órgão regulador, 80% das mercadorias transportadas por ferrovias são minérios e produtos agrícolas destinados ao mercado externo. Na viagem de retorno dos portos, predominam os insumos agrícolas importados. No que diz respeito ao minério de ferro, os ganhos com a cobrança de um frete bem menor serão praticamente nulos para a Vale, que não é apenas a maior mineradora e a maior exportadora de minério de ferro do País, mas também controla a maior parte da rede ferroviária nacional. Estão sob seu controle as ferrovias de Carajás, Vitória a Minas, Centro-Atlântica e Norte-Sul, tendo a companhia uma participação de 40% na MRS Logística. Ou seja, o que a empresa perder em receita de frete pode ganhar em redução de custos da atividade mineradora. O setor de ferrovias, por sinal, é altamente concentrado, sendo a ALL (Malhas Paulista, Sul, Norte e Oeste) a segunda empresa de peso.
As vantagens serão mais significativas para a exportação de grãos. Nesse caso, o frete ferroviário dependerá do volume exportado. Para o transporte de 60 mil toneladas ou mais, haverá tarifas especiais. Abaixo desse volume, o transporte será cobrado pela tarifa para produtos diversos. A fixação de preços-teto objetiva dar um ordenamento à cobrança de tarifas, substituindo a prática de negociações, caso a caso, de concessionárias com grandes exportadores de grãos, que conseguem tarifas muito diferenciadas com relação aos pequenos produtores.
As medidas propostas pela ANTT devem contribuir para o barateamento da produção agrícola - reduzindo custos de escoamento e de transporte de insumos. Só se deve lamentar que, embora as ferrovias transportem 25% das cargas totais no País, uma grande parte da malha construída no início do século 20 ainda permanece desativada. Calcula-se que, dos 28 mil km de estradas de ferro existentes no País, dois terços estejam em condições precárias para o tráfego. Vários trechos estão em processo de recuperação e o governo tem planos ambiciosos para a expansão da rede, exigindo vultosos investimentos. Regulamentar a cobrança de fretes ferroviários pode ser de grande proveito, desde, é claro, que não chegue a ponto de inibir novos investidores.
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