domingo, 8 de janeiro de 2012

A crônica de um novo pizzaiolo em São Paulo

Edison Veiga (*)


Meu 2011 acabou em pizza. Literalmente. Isso porque fui um dos 72 novos pizzaiolos da primeira fornada, com o perdão do trocadilho, do curso de qualificação oferecido pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e do Trabalho em parceria com a rede Dídio Pizza. E não fiquei só no blá-blá-blá – botei a mão na massa, mexi no escaldante forno, montei as redondas e, claro, as comi.


O percurso foi árduo. Primeira semana de aula, somente treinamento teórico no Centro de Apoio ao Trabalho, unidade Luz. À frente, a nutricionista Adriana Rios, de 31 anos, gerente de operações da rede de pizzarias. Nossa professora, auxiliada pela também nutricionista Angélica Padilha, de 22 anos. “Vocês acham que vão sair do curso já empregados e ganhando R$ 1,5 mil? Não, não”, disse ela, dando um banho de realidade na classe, onde apenas três já trabalhavam no ramo. “Vocês vão começar como auxiliares, ganhando aí de R$ 700 a R$ 1 mil. A prática é o melhor jeito de aprender.”


Números. 
Pude conhecer um pouco sobre o cenário da pizza em São Paulo. Por exemplo: há 12 mil estabelecimentos paulistanos que vendem redondas – metade é formada por pizzarias e metade, por outras casas comerciais, como padarias. É um mercado que emprega, direta ou indiretamente, 100 mil pessoas – entre as quais, 12 mil pizzaiolos e 60 mil motoboys. Um milhão de pizzas são consumidas por dia em São Paulo. Há nos cardápios da cidade 230 sabores diferentes – das mais vendidas mussarela e calabresa a excentricidades, como de hambúrguer, picanha, coraçãozinho de frango e abacaxi.



Adriana nos falou sobre a importância da postura, do bom comportamento, da motivação. E deu dicas elementares de higiene – principalmente ao manipular alimentos – e de organização da cozinha. Ensinou o jeito certo de lavar as mãos e atentou para a importância de ter cabelo, barba, dentes, unhas e banhos em dia. “Dentro da cozinha é proibido espirrar, tossir, assoar o nariz, cuspir, pentear-se, coçar-se, pôr os dedos no nariz…”, frisou.


Nos dias seguintes, fomos apresentados a fotos dos equipamentos de toda cozinha profissional. Do forno ao fatiador, do fogão ao moedor. Com direito a horripilantes imagens de acidentes – um alerta esperto para que nenhum desavisado relaxe na segurança e perca um pedaço do corpo no trabalho. “Para quem quiser ver mais fotos desse tipo, eu conheço um site na internet”, disse um dos alunos.


Comentários assim foram se tornando cada vez mais comuns à medida que a turma ficava mais entrosada. Com o passar dos dias, a sala de aula começou a realmente parecer uma sala de aula – com turma do fundão, conversas paralelas e engraçadinhos. “Tem uma lenda urbana que diz que mussarela pode ser feita de batata”, polemizou um, durante a apresentação dos ingredientes dos recheios. “E já ouvi falar de granja que trata o porco com tanta frescura que antes de matá-lo para fazer presunto o bicho ganha até missa”, brincou outro.


Nessa altura, a ansiedade já era grande para realmente colocar a mão na massa, o que ainda demoraria um bocado. “No Google tem tudo, pessoal. Até massa de pizza ensinam a fazer”, lembrou um apressado. “Pode haver variações, de pizzaria para pizzaria, na receita da massa”, comentou Adriana. Na massa da Dídio, apenas farinha, água, banha, açúcar, sal e fermento.


Bastidores
Também conhecemos um pouco dos bastidores da pizzaria. “As reclamações mais comuns são quando a pizza chega fria”, revelou Adriana. O tempo é enxuto. A meta é que, da ligação ao motoboy, a operação não leve mais que 20 minutos. Na cozinha, são 6 minutos para a pizza ser montada e assada.


Depois da etapa teórica, houve uma cerimônia de formatura, onde recebemos nossos certificados. Roubou a cena Hugo Duarte, o presidente do São Paulo Confia, banco de microcrédito da cidade de São Paulo. Fez um discurso inflamado, exaltando a gestão Gilberto Kassab e dizendo que a imprensa só reclama e não vê medidas públicas como esses cursos de capacitação. “Eu prefiro ter um buraco na rua da minha casa e ter acesso à educação”, comparou, verborrágico. Depois alguém o cutucou, informando-o de minha presença. E ele, constrangido, disse que o Estadão era um jornal sério.


Mais uma semana e, finalmente, chegou a hora das aulas práticas. As lições foram na unidade da Lapa da Dídio – a maior das 13 lojas da rede, de cujos dois fornos saem, em média, 450 redondas por dia. Ali, além de Adriana e Angélica, ganhamos outros professores. 


Os pizzaiolos Marcimone Silva, de 33 anos, mais conhecido como Max, Edmilson Pereira, de 27, o Bahia, e Adriano de Moraes, de 24, chamado de Batom.


“Faz 12 anos que trabalho com pizza. É tanto tempo que eu não consigo mais comer pizza”, revelou Max. Com o trio, aprendemos a fatiar os ingredientes, bolear e abrir a massa, montar a pizza, fornear. No último dia de aula, quando montamos redondas completas, acabei fazendo uma pizza de bauru – uma homenagem à cidade onde cursei Jornalismo. “Como pizzaiolo você é um ótimo jornalista”, alfinetou Clayton de Souza, fotógrafo do Estado. “Ficou ótima”, elogiou a professora Adriana. Fato é que não só a minha como as outras seis redondas preparadas pela turma foram devoradas rapidinho. 


Sinal de que aprendemos.


(*) Jornalista e Repórter do Estadão

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