Opinião do Estadão
Com o término, na quinta-feira passada, do prazo para os réus do mensalão apresentarem suas alegações finais no processo aberto contra eles em 2007, que o STF deverá julgar no próximo ano, vieram a público os argumentos graças aos quais pretendem ser absolvidos os mais notórios protagonistas do escândalo de suborno de deputados federais para favorecer o presidente Lula, no seu primeiro mandato. É o caso dos integrantes do "núcleo principal da quadrilha", conforme a denúncia formulada pelo então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza - e ratificada em sua quase totalidade pelo seu sucessor, Roberto Gurgel.
Reconduzido pela presidente Dilma Rousseff para um novo período no cargo, Gurgel corroborou, por exemplo, a conclusão de Souza, segundo a qual o então ministro e depois deputado cassado José Dirceu foi o "chefe da quadrilha" que arquitetou e conduziu, a partir do PT, o esquema de compra de apoios ao governo Lula no Congresso Nacional. Dos 40 réus originais, um (o ex-deputado José Janene, do PP) faleceu, outro (o ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira) foi excluído do processo em troca de prestação de serviços comunitários e dois foram exonerados, por falta de provas, pelo atual procurador: o ex-ministro Luiz Gushiken e um irmão do tesoureiro do PL, Antonio Lamas.
Os advogados de Dirceu reiteraram, nas razões finais, que inexiste no processo algo "que possa sequer sugerir" que o seu cliente interferisse ou mesmo estivesse a par do que se passava na administração ou com as finanças do partido do qual já tinha sido presidente, no período que esteve à frente da Casa Civil. "Todas as provas", escreveram os criminalistas que o defendem, "mostram que (o ex-tesoureiro) Delúbio Soares atuava com independência". Eles consideram "completamente descabida" a versão de que Dirceu tivesse qualquer vínculo com o publicitário Marcos Valério, tido como o operador do mensalão. Caberá ao STF, a começar do relator da ação, ministro Joaquim Barbosa, acolher ou rejeitar à luz dos autos essas negativas aparentemente implausíveis.
Se fossem ao menos verossímeis, o procurador-geral Gurgel não teria endossado com tamanha convicção o juízo do predecessor sobre o dirigente petista. É bem verdade que Delúbio chamou a si a responsabilidade exclusiva pelos negócios do partido com Marcos Valério. Mas é o que se espera de qualquer pezzonovante mafioso conhecedor do implacável código de conduta da organização. Já o então deputado e presidente da legenda, José Genoino, tenta se distanciar dos suspeitos empréstimos tomados em 2003 por Delúbio no Banco Rural e no BMG, no valor de R$ 2,4 milhões, em benefício de companheiros e dos novos amigos do governo Lula.
A defesa de Genoino, para quem os empréstimos se destinavam a "fazer frente ao verdadeiro caos financeiro vivenciado pelos diretórios regionais do PT", afirma que ele assinou os papéis apenas "por condição estatutária". Por esse inconvincente raciocínio, "a legalidade, a viabilidade e o cabimento das transações" não eram da alçada do titular do partido, sendo o seu autógrafo "requisito meramente formal para a execução do empréstimo". Genoino, assim como Dirceu e Delúbio, foram denunciados por formação de quadrilha e corrupção ativa. Marcos Valério responde ainda por lavagem de dinheiro, peculato e evasão de divisas.
O seu advogado pergunta como pode o seu cliente ser condenado por supostamente intermediar o financiamento do esquema, sem que estejam em julgamento "as condutas dos interessados no suporte político "comprado" (presidente Lula, seus ministros e seu partido) e dos beneficiários financeiros (partidos políticos da base aliada)". Assinala ser esse "um raríssimo caso de versão acusatória de crime" que deixa mandantes e beneficiários em segundo plano, "alguns, inclusive, de fora da imputação, embora mencionados na narrativa, como o próprio presidente Lula". Esse sempre foi o xis da questão: a tentativa de Lula de fazer crer que ignorava o esquema por completo - cego, surdo e mudo como os macaquinhos da metáfora.
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