José Luiz Portella Pereira (*)
De uma hora para outra, a gente descobre que poderia ter explodido. Principalmente aquelas 800 mil pessoas que costumam frequentar o Center Norte, aos sábados e domingos.
"Basta uma faísca e pronto", palavras da diretora de Controle Ambiental da Secretaria do Verde. É muito louco. Uma sensação total de risco. De impotência.
O shopping foi construído sobre um lixão. Todo lixão gera gás metano pela decomposição do lixo. A licença inicial de construção tem que prever a captação e destinação segura do gás.
Ninguém sabe como se deu a liberação lá, no início dos anos 80, pelo então prefeito Reinaldo de Barros. Mistério! A cidade não tem memória. Nem os documentos públicos.
Inaugurado em 1984, o Center Norte deveria ter passado por rigorosa inspeção para ver se aquilo que foi determinado na licença inicial de construção foi cumprido. Outro mistério; ninguém fala ou sabe disso.
Em 2003/2004, a Câmara e a Cetesb pedem ao Center Norte um levantamento de risco. Ele se nega a fazê-lo, pasmem, alegando a responsabilidade ser da Prefeitura. E ficou por isso mesmo. Pelo menos, é o que se sabe.
Aí, diz a mídia, em 2009, por conta do Decreto 13.542, a Cetesb teve suas atribuições aumentadas e passou a investigar e gerenciar terrenos contaminados.
Contaminado em 1981. E esse tempo todo? É louco! Ninguém sabe com quem estavam o comando e o obrigação de fazê-lo. E se algo foi feito. O Center Norte, ou parte dele, poderia ter ido pelos ares.
Aparecem também, só agora, filhas da crise: outras regiões contaminadas que são monitoradas. Uma delas fica em Mauá, onde já explodiu um apartamento com vítima fatal. Todos os que moram no local vivem um calvário, sem poderem se desfazer do imóvel que perdeu barbaramente o valor enquanto não se chega a uma conclusão. Descaso inaceitável.
Hoje, o Center Norte é um mar de metano. E de dúvidas. Os comunicados são confusos. A Cetesb diz algo, o Center Norte desmente, a Prefeitura fala outra coisa. O Ministério Público faz um acordo com o Center Norte, e a Prefeitura diz que não foi avisada.
Confusão geral.
O que emerge, além do metano, é que somos uma cidade desorganizada, sem mecanismos que nos protejam. Uma cidade indefesa, em risco permanente, desconhecido, e que só vem à tona quando à beira de uma explosão.
Isso alimenta o medo. Uma cidade tão rica e com tanto a proporcionar, vive com medo de si mesma: do trânsito, de atravessar uma rua, do carro a invadir calçadas, do assalto, do bullying na escola. Medos sem conta.
O medo paralisa. Congela o prazer. Atrofia. São Paulo vive com o potencial atrofiado. As pessoas não podem viver e usar suas capacidades. Por isso: há sempre "um shopping" a explodir.
Resta a sensação de continuarmos a fazer as coisas como nos tempos do Brasil Colônia: exploração predatória da terra, das riquezas.
Exaurida uma terra, passava-se para a seguinte. Não havia o espírito de se construir uma nação, mas de auferir vantagens imediatas, de ganhar dinheiro a qualquer custo.
O poder público não faz a cidade respeitada. O segredo de uma cidade que se impõe e tem valores é singelo: legislação clara e simples, sem enrolações que vendam facilidades. Define: para ganhar dinheiro é preciso respeitar os pilares que garantam uma vida civilizada e saudável, sem privilégios. Ninguém acima da lei.
Acordar todo dia com novo medo é sentir-se fraco, frágil. Acordar todo dia nessa fragilidade é o pior imposto que pagamos.
(*) Engenheiro Civil especializado em gerenciamento de projetos, orçamento público, transportes e tráfego. .
Nenhum comentário:
Postar um comentário