sábado, 17 de setembro de 2011

O que falta

Zuenir Ventura (*) para O Globo

Talvez seja cedo. Ainda não dá para considerar aquela saída às ruas de milhares de jovens protestando contra a corrupção como o início de um movimento igual ao das diretas já em 1984, dos caras-pintadas em 1992 ou das recentes manifestações dos estudantes chilenos, espanhóis e gregos, entre outros.

O anseio de ver o país se mexer tem criado uma expectativa que pode ser exagerada. A cautela recomenda esperar pelo menos até o próximo dia 20, quando está programado um desdobramento do 7 de setembro no Rio.

De qualquer maneira, duas novidades positivas já se fizeram sentir: a indignação virando ação, coisa que não acontecia há muitos anos, e as redes sociais sendo utilizadas como instrumento de mobilização popular, a exemplo do que aconteceu em vários países, a começar pelos que se revoltaram contra as ditaduras na chamada Primavera Árabe.

O desafio é manter acesa a chama, para não repetir experiências frustrantes como a de 2007, o Cansei, que chegou a organizar passeatas reunindo líderes empresariais e políticos, mas que durou pouco. Também!, um movimento que em vez de prometer disposição para a luta exaltava a desistência, declarando-se cansado, não podia ter vida longa.

Agora, porém, observa-se uma mudança de clima em vários setores da sociedade: há uma intolerância para com os abusos éticos que cresce à medida que se repetem escândalos como o da deputada flagrada embolsando dinheiro sujo e depois absolvida.

Ou o do ministro de Turismo, que pagava à governanta com verba pública — aquele mesmo que bancou com cota parlamentar uma farra em motel. Só o que se tem roubado na área da Saúde dá para curar quase todos os males do país.

Entre os jovens, ainda se percebe muito desencanto em relação a eles mesmos e ao governo, principalmente depois que a presidente diminuiu o ímpeto de sua faxina. Os fichas-sujas aproveitam-se desse estado de resignação da opinião pública para alegar que indignação é "coisa da mídia" e que o povo só pensa no bolso.

Eles podem estar enganados. Alguns movimentos de massa caracterizaram-se pela imprevisibilidade. Não deram sinal de "cheguei!" e nem foram antecipados pelos cientistas sociais ou pelos jornalistas. Foram processos de acumulação gradativa de energia, muitas vezes imperceptíveis, que de repente explodiram em protestos de rua.

Às vésperas da rebelião estudantil de 1968, na França e aqui, acreditava-se que não acontecia nada e que não ia acontecer. No entanto, os estudantes de Paris, Rio e outras cidades do mundo estavam armazenando rebeldia para uma das mais estrondosas insurreições urbanas do século passado.

Hoje, no Brasil, não faltam motivos, falta motivação. De repente, ela pode aparecer.

(*) Jornalista e Escritor. É colunista do jornal O Globo

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