Opinião do Estadão
A maneira como foi firmado o convênio entre o Ministério do Esporte e o sindicato das associações de clube de futebol para o cadastramento das torcidas organizadas, a rapidez com que todo o dinheiro foi liberado, o fato de, oito meses depois, rigorosamente nada ter sido feito pelo contratado e, mesmo assim, o Ministério decidir que nada mudará, sob a justificativa de que tudo está dentro do que foi planejado, retratam o estilo de gestão do governo petista dos planos, projetos e dos recursos públicos destinados à realização da Copa de 2014.
Neste caso, há uma descarada liberação de dinheiro do contribuinte em favor de uma entidade sem qualificação ou competência para executar o convênio, mas dirigida por conhecidos "cartolas" - alguns de representatividade questionada nos seus clubes -, cujo antigo prestígio parece encantar o governo. Sem licitação, e sem que o responsável pelos serviços tivesse apresentado documentação que comprovasse de maneira inequívoca sua qualificação para realizá-los, o Ministério do Esporte assinou, no dia 31 de dezembro de 2010 - último dia do segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é conveniente lembrar -, convênio com o Sindicato Nacional das Associações de Futebol Profissional e suas Entidades Estaduais de Administração e Ligas (Sindafebol) para cadastrar as torcidas organizadas, como mostrou reportagem do Estado (31/8).
O objetivo do cadastramento seria garantir a segurança e tranquilidade nos estádios durante a realização da Copa do Mundo e é parte do Projeto Torcida Legal. Esse projeto, lançado em 2009, surgiu das discussões entre os Ministérios da Justiça e do Esporte, o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União e a Confederação Brasileira de Futebol. Entre outros objetivos, ele pretende tipificar criminalmente condutas que prejudicam o futebol, combater a violência nos estádios e punir fraudes nos resultados.
Uma das providências práticas previstas no projeto é o controle de acesso e o monitoramento dos torcedores, para que os infratores possam ser rapidamente identificados e punidos. Para isso, é necessário cadastrar as torcidas organizadas e todos os seus membros, que passariam a dispor de uma carteira de identificação a ser apresentada no momento da compra da entrada no estádio.
O Sindafebol foi incumbido de fazer esse cadastramento. O convênio é estranho não apenas porque foi assinado sem prévia licitação. Desde o início, o processo deixou de seguir os ritos necessários para a garantia da lisura da contratação de serviços pelo setor público. Com base apenas em orçamentos e atestados de capacidade técnica apresentados pelo próprio interessado, o Ministério do Esporte levou menos de dois meses para aprovar a celebração do contrato. Em abril, sem que nada tivesse sido feito, o Ministério liberou todo o dinheiro para o Sindafebol. Foram R$ 6,2 milhões.
O presidente do Sindafebol e ex-presidente do Palmeiras, Mustafá Contursi, disse ao Estado que advertiu o governo de que a entidade não tinha experiência nesse tipo de trabalho. Mas "estava à disposição do Ministério", com o qual "tem vários entrosamentos", citando entre estes o com o assessor especial de futebol da pasta, Alcino Reis. Esses "entrosamentos" devem ser poderosos, pois, mesmo com ressalvas de sua assessoria jurídica, o convênio foi rapidamente aprovado pelo Ministério e assinado por seu secretário executivo, Waldemar Manoel Silva de Souza, e por Reis.
E aonde foi parar o dinheiro? Contursi disse que está numa conta bancária controlada por ele. Disse também que o Sindafebol está analisando se poderá cumprir o contrato no novo prazo que lhe foi concedido. A explicação é no mínimo estranha. Se apresentou documentos assegurando que podia fazer o trabalho e recebeu o dinheiro, o Sindafebol não tem de analisar nada. Tem de fazer rapidamente o que já deveria ter começado a fazer ou devolver o dinheiro, com as multas e os encargos devidos - e as responsabilidades dos funcionários que aprovaram a assinatura desse convênio têm de ser apuradas.
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