domingo, 4 de setembro de 2011

Copa do Mundo em 2014

Um trecho da entrevista feita pelo jornal Brasil de Fato com o professor adjunto do Instituto de Geografia – PPGEO (Prog. de Pós-graduação em Geografia) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e integrante do Comitê Popular da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Rio, Gilmar Mascarenhas. Gilmar Mascarenhas fez doutorado em Geografia Humana pela USP, sob orientação da Dra. Odette Seabra. A sua tese, defendida em 2001, enfoca determinados aspectos da presença do futebol na evolução urbana brasileira:

Como você avalia a construção dos estádios para a Copa do Mundo 2014?

Menos da metade das 12 cidades-sedes tem regularmente clubes na primeira divisão. Menos da metade das cidades tem um mercado capaz de manter aqueles estádios. Manaus, Cuiabá, Brasília e Natal são cidades sem clubes na primeira divisão, nem na segunda… Então está se construindo estádios que depois serão verdadeiros elefantes brancos. Um estádio desses tem um custo de manutenção que é entorno de 10% ao ano do custo de construção dele. É um custo muitíssimo alto. Você só consegue justificar esse custo se tiver uma fluência de público constante. Vide o caso da Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. Foram construídos novos estádios, e agora o governo não sabe o que fazer com eles. O caso mais dramático é o estádio Green Point, construído na Cidade do Cabo. A um custo de meio bilhão de dólares, em zona nobre da cidade (Green Point é uma bela área verde, junto ao centro e ao porto que foi renovado, tornado área de lazer), o estádio atende a um padrão de sofisticação que não era interesse do governo local. Este queria um estádio mais modesto e localizado em zona menos valorizada, ciente de não ser o futebol um esporte de grande popularidade na região. Mas a Fifa demandou aquele equipamento caro, cuja localização pudesse exibir ao mundo uma África civilizada, moderna, desfrutando da bela paisagem costeira, tendo ao fundo o Table Mount, montanha turística que constrasta de forma magnífica com o mar. O resultado é que este estádio custa aos cofres públicos 4,6 milhões de euros anuais, e sem a menor perspectiva de retorno desse investimento. Então, a gente começa a pensar assim: como é que fica a questão da soberania nacional por conta desses megaeventos? O quanto os países se vendem e abrem mão da soberania nacional porque a Fifa falou que quer o estádio aqui. Na cidade de Johanesburgo também se construiu um estádio. Eu tenho uma citação da época de um conselheiro municipal, o sr. Benit-Gbaffou. Ele disse: “Trazer a Copa do Mundo é desenvolver a cidade. Isso torna ela cara. Não tem outro jeito, os pobres vão ter que sair, a cidade precisa apenas daqueles que podem pagar por ela”. E um depoimento de um morador: “Eu chorei duas vezes por causa dessa copa. Primeira vez foi quando o país foi eleito para a Copa. Eu chorei de emoção. Depois chorei quando perdi a minha casa, onde eu morava há 30 anos”.

Observemos o caso de Recife, que tem três clubes de futebol importantes, Sport Recife, Santa Cruz e o Náutico. Cada um tem seu próprio estádio, mas vão construir um novo estádio para a Copa. A pergunta é: Qual o clube que tem seu próprio estádio há várias décadas, onde construiu sua história, sua identidade, e, do ponto de vista prático, onde pode jogar com lucro, pois com despesas bem menores, vai deixá-lo para jogar no estádio da Copa, que fica no município da grande Recife, em São Lourenço das Matas, longe das massas e a um custo muito superior?

Já foram aprovados pelo BNDES R$ 400 milhões, agora mais R$ 280 milhões. Vão fazer ali a Cidade da Copa. É todo um projeto de conjunto residencial, um shopping center, um centro médico, ou seja, a ideia de construir um bairro de classe média nessa região e no meio dele um estádio. E esta área não é um vazio urbano. Estive lá, moram muitas famílias, as pessoas plantavam ali. Essas pessoas todas serão varridas dali, em nome de um empreendimento imobiliário que tem como cerne, ou motivação central, um estádio condenado ao abandono e a produzir dívidas públicas.

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