Marcelo Leite (*)
Se você tem risco elevado de desenvolver câncer ou doença cardíaca, não conte demais com a tecnologia do futuro, ao menos do futuro à vista, para aliviar seu padecimento. Os medicamentos para essas enfermidades têm as piores taxas de sobrevivência no percurso entre pesquisa e aprovação oficial para venda e consumo.
O dado desanimador consta de levantamento da Organização da Indústria de Biotecnologia (BIO, na abreviação em inglês). Foram considerados 4.275 medicamentos em qualquer fase do processo de licenciamento no período 2003-2011.
Estudos clínicos de segurança e eficácia de novas drogas passam por três fases de testes, com exigências científicas e estatísticas crescentes (como número de pacientes participantes). Depois, elas são submetidas à aprovação final de órgãos reguladores como a poderosa FDA (agência de fármacos e alimentos dos Estados Unidos).
A área de oncologia (câncer) apresentou os piores índices de sucesso. Apenas 4,7% dos novos remédios que entram em testes terminam aprovados pela FDA para uso humano. Em seguida vêm as doenças cardiovasculares, com 5,7%.
Neste segundo caso, os reguladores se tornaram mais exigentes. Demandam, hoje em dia, provas de que o remédio faz bem para o próprio coração, não se limitando a reduzir um fator de risco (como o colesterol).
As áreas que se saem melhor, na corrida de fundo entre a fase 1 e a licença da FDA, são as mais convencionais: doenças infectocontagiosas, com medicamentos contra hepatite e HIV, por exemplo (taxa de sucesso de 12%), males do sistema endócrino, como diabetes (10,4%), e doenças autoimunes, como artrite reumatoide (9,4%).
A farmacologia tradicional está em crise. O índice geral de sobrevivência de remédios experimentais caiu de 1 a cada 5 ou 6 candidatos para 1 em 10. Aparentemente, as autoridades têm preferido perfilar-se mais para o lado da cautela, depois de alguns casos rumorosos. Entre eles, o do popular anti-inflamatório Vioxx, retirado do mercado em 2004 depois de constatar-se aumento de risco para problemas cardíacos com seu uso.
Isso não significa, provavelmente, que as gerações futuras ficarão sem remédio. Em primeiro lugar, permanece a farmacologia do presente, que observou avanços gigantescos no último século. Depois, alguns medicamentos novos continuarão a ultrapassar as barreiras de regulamentação, necessariamente, ainda que em ritmo mais lento.
Há também uma diferenciação interna importante na indústria farmacêutica, entre os remédios tradicionais ("pequenas moléculas", no jargão do setor) e aqueles desenvolvidos e produzidos por meios biotecnológicos. Ou seja, a diferença entre a química tradicional e o emprego de sistemas vivos para produzir drogas mais complexas, baseadas nas moléculas gigantes que governam e modulam o funcionamento dos organismos.
Um exemplo é a produção de insulina recombinante. Micro-organismos modificados geneticamente produzem hormônio idêntico ao do corpo humano, essencial para regular o metabolismo de açúcares. Outro exemplo é o de medicamentos à base de anticorpos.
Na média, os remédios da classe das pequenas moléculas obtidas por processos químicos convencionais têm taxa de sucesso em torno de 7%. Já os de origem biotecnológica têm desempenho bem melhor: 15%. Há uma evolução em curso. Oxalá a biotecnologia cumpra com todas as promessas que lhe atribuem.
(*) Jornalista , repórter especial , colunista da Folha de São Paulo e escritor autor dos livros "Folha Explica Darwin" (Publifolha) e "Ciência - Use com Cuidado" (Unicamp)
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