Opinião do Estadão
É um falso escândalo a nomeação de um réu do mensalão, o deputado João Paulo Cunha, para presidir a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa, assim como a de um parlamentar, o palhaço Tiririca, que precisou provar não ser iletrado para assumir o mandato, como integrante da Comissão de Educação e Cultura, e a do atleta Romário, que no primeiro dia útil do ano legislativo assinou o ponto e foi jogar futevôlei na praia, para a vice-presidência da Comissão de Turismo e Desporto.
É também um falso escândalo a participação na comissão especial de reforma política da Câmara, de um punhado de figuras carimbadas como Paulo Maluf, na lista de procurados da Interpol; Valdemar Costa Neto, que renunciou para não ser cassado por envolvimento com o mensalão; Eduardo Azeredo, pivô do mensalão mineiro; e José Guimarães, um assessor do qual foi preso com US$ 100 mil na cueca. A partir do momento em que foram diplomados pela Justiça Eleitoral, por terem merecido suficientes sufrágios populares, quando não votações consagradoras, para chegar (ou ficar) lá, eles se tornaram parlamentares por inteiro, com os mesmos direitos e oportunidades dos seus demais colegas.
Além de não existirem meios mandatários, nenhum dos nomes que o noticiário de ontem tratou como se fossem a essência do Congresso Nacional - a instituição que os brasileiros provavelmente mais apreciam depreciar - se autonomeou para as funções que passaram a desempenhar. O petista João Paulo Cunha, por exemplo, não foi nomeado titular da CCJ, mas eleito. Recebeu para tanto 54 votos de seus pares. No discurso de posse, teve ao menos o decoro de não varrer para debaixo do tapete a sua condição de acusado no STF por lavagem de dinheiro, corrupção e peculato. Como não poderia deixar de ser se disse "muito atormentado" pelo processo que teria mudado a sua vida e que, "em breve, nós o resolveremos por completo".
Ah, mas os políticos, em respeito à opinião pública, deveriam ter o pudor de não premiar com papéis de relevo na cena parlamentar colegas cujos currículos lembram antes folhas corridas, nem aqueles que são escancaradamente jejunos nas questões de alçada das comissões para as quais foram escolhidos. O argumento peca pela base. Respeito por respeito à sociedade, pergunte-se aos eleitores dos indigitados se acham que os seus preferidos deveriam ser "menos iguais" do que os outros ali em Brasília.
E os que pregam a moralização da política pela mudança do sistema eleitoral - como se disso, aquilo derivasse necessariamente - talvez devessem se dar conta de que a substituição do modelo proporcional pelo "distritão" (elegem-se os mais votados em cada Estado) ou pelo fatiamento dos Estados em distritos, para o mesmo fim, não reduzirá em nada as chances de sucesso de ídolos populares e populistas notórios. Talvez elas até aumentem. O problema do processo de reforma política, aliás, não está na presença de Maluf e alguns congêneres no colegiado de 41 deputados dela incumbidos.
Está no fato de Senado e Câmara terem sido incapazes, por rivalidades pueris e o personalismo de seus dirigentes, de criar uma comissão conjunta para cuidar do assunto. Formaram-se duas, com procedimentos e prazos próprios. No caso do Senado, 45 dias. Na Câmara, 180. Escândalo é isso, pelo que os partidários autênticos da reforma podem esperar de tamanho absurdo - uma irrelevância ou um monstrengo. Escândalo maior, sem dúvida, é o da morosidade do Judiciário. O mensalão foi exposto em 2005, a denúncia acolhida em 2007 e só este ano o STF deverá iniciar o julgamento de seus 40 réus.
A mesma Alta Corte não se empenhou o bastante para chegar a um acordo sobre a validade da Lei da Ficha Limpa já para as eleições de outubro passado. Nos votos, foram 5 pelo sim e 5 pelo não - e a matéria empacou à espera da posse do undécimo ministro, Luiz Fux, que assumiu ontem. Funcionasse a Justiça como o País demanda, os Malufs ou teriam sido alijados do Congresso ou neles teriam assento de inequívoca legitimidade.
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