quinta-feira, 3 de março de 2011

Fórmulas e Receitas

Bellini Tavares de Lima Neto (*)

Tenho percebido já há algum tempo que as pessoas têm manifestado muito essa impressão retratada numa bela música dos Titãs, esse sentimento de que deveriam ter feito as coisas de maneira diferente. 
Há algum tempo me ocorreu pensar um pouco sobre um dos grandes sonhos da humanidade, a viagem no tempo. É muito comum ouvir as pessoas dizerem que gostariam de poder voltar no tempo para corrigir coisas que fizeram e que gostariam de ter feito diferente. Eu, que tenho esse vicio incorrigível de ficar pensando nas coisas, comecei a imaginar como seria isso de voltar no tempo e corrigir o que se fez. Para voltar no tempo e corrigir o que se fez seria necessário que, quando chegássemos nesse passado, pudéssemos saber o que iríamos corrigir. Ora, isso significa, então, que, lá no passado, iríamos saber das coisas do futuro, um futuro que hoje seria o nosso presente, mas que, lá atrás, seria o nosso futuro. Se as coisas fossem assim, também seria preciso concluir que, lá no passado, quando fizemos o que estamos querendo corrigir hoje, essas coisas estariam todas prontas. 

Em outras palavras, se é que já não há palavras demais aqui, o nosso futuro já estaria pronto. Aí, a coisa complicou, pois, se estava pronto, o que foi que nós mesmos fizemos? Já ficou ainda mais complicado.

Há uns poucos anos eu conversava com um amigo que lamentava a morte de uma amiga comum. Pessoa extremamente dedicada ao trabalho, sofreu um AVC que a levou embora em uma semana. Relativamente jovem para os nossos padrões atuais, sua morte causou tristeza e ao mesmo tempo, aquele sentimento de desconfiança com o futuro e os autores da trama. E o amigo constatou que era preciso viver de maneira mais descontraída, aproveitar melhor o tempo e a vida, pois, de repente, dávamos de cara com esse acontecimento insólito (apesar de ser o único sobre o que temos certeza, na vida). Aí eu perguntei a ele se a nossa amiga comum gostava do que fazia e a resposta, que eu já conhecia, foi de que ela era apaixonada pela profissão. Ora, pensei comigo, então ela viveu exatamente como queria e morreu como queria. O que significa, então, esse "aproveitar melhor a vida"?

Ouvi uma frase, atribuída a John Lennon, e que diz mais ou menos o seguinte: "Vida é isso que acontece enquanto ficamos fazendo planos para o futuro". Tenho pensado muito seriamente que a vida é muito diferente do que imaginamos e planejamos. Especialmente para os padrões ditos cultos e formais da vida séria, ela é seriamente menos séria do que isso. E será que alguém tem a definição e as regras para a vida e o bem viver? Acho um tanto difícil e até me parece que seria preciso uma definição e um código de regras para cada individuo.

Por isso, a bela canção dos Titãs talvez incida nesse erro de acreditar que existem maneiras pré-estabelecidas de se bem viver. Então, que me perdoem os moços do "Titãs", mas, talvez seja mais o caso de se ter vivido exatamente como se viveu. Se eu tiver conseguido colocar muita honestidade em tudo o que tenha feito, desde os poucos, mas grandes lances de adrenalina até o prosaico lanche do domingo à tarde, talvez chegue ao fim devendo pouco. Cada um dos momentos em que tenha me preocupado demais com os outros ou com o trabalho, que tenha deixado de ir à balada, que tenha sofrido com a falta de dinheiro para uma conta no final do mês, cada um desses momentos talvez não tenham sido senão a própria vida pulsando feito um quasar cheio de mistério, mas sobrando de vibração. Acho que viver é isso mesmo: fazer uma porção de coisas que a gente vai dizer que teria feito diferente se tivesse capacidade de ser profeta do passado. Só não pode faltar emoção, paixão e todos esses temperos que fazem da vida a mais fascinante das aventuras. Mas isso de que não pode faltar emoção, paixão e tudo mais, também começa a ser mais um tipo de mandamento para o que seja viver de verdade. Se emoção e paixão estiverem presentes, tanto melhor. Se não, melhor também.

Que bom que os rapazes do “Titãs” fizeram essa belíssima música e nos permitiram pensar que nós deveríamos ter vivido exatamente como vivemos, pois bem viver é só viver.

(*) Advogado , morador em S. Bernardo do Campo (SPO).
Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http: blcon.wordpress.com

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