terça-feira, 8 de março de 2011

Em algum lugar do futuro

Bellini Tavares de Lima Neto (*)

Eu vivo repetindo que essa mania de se tentar reviver o passado é muito prejudicial à saúde. Aliás, até costumo dizer isso em voz alta, de preferência a alguém, para evitar mal entendidos caso algum desavisado me ouça falando sozinho. E realmente é isso que penso. Viver no passado, ir em busca de reconstruir situações já vividas pode ser extremamente insalubre, sobretudo para a cabeça que, como se sabe, é pior que potro xucro, difícil de domar. Por conta disso, evito ao máximo as chamadas confraternizações de turmas escolares, em que, no começo, ninguém consegue reconhecer ninguém e depois todo mundo se enfia numa espécie de cápsula do tempo e volta a ser adolescente, colegial, universitário ou seja lá o que for. Ninguém vai negar que há um considerável prazer nisso. Relembrar as bobagens que se fez, as risadas que se deu, as situações complicadas, ridículas ou até mesmo perigosas em se envolveu dá uma satisfação danada, uma alegria e tanto. Mas, por outro lado, continua sendo perigoso, especialmente por causa da tentação de se prender de novo a aquilo tudo como muita gente acaba fazendo. Ou, então, por causa do conteúdo dessas memórias. Melhor seria deixar o passado por lá e não se aventurar.

Dia desses combinei um almoço com uma ex-colega de trabalho que, aliás, se tornou amiga, dessas que para se tornar irmã é um passo. Por força das circunstâncias, trabalhamos juntos por quase uma década e meia. E por força anda maior das circunstâncias, eu fui seu gerente durante esse tempo todo. Ela foi minha assistente, minha gerente para administração e, em meio a tudo isso, uma espécie de fiel escudeira, uma dessas criaturas que aparecem na nossa vida para mostrar que alguém lá por cima se preocupa conosco. Por conta disso tudo nos tornamos meio irmãos. Por fim, eu saí e ela ficou. Continuou exercendo suas funções, mas agora em novos tempos. Para melhor se entender, agora está sob nova direção.

Fomos ao almoço. Reencontrar amigos de verdade, sobretudo quando já faz algum tempo que não se vê, é gratificante. Como se fosse um passe de mágica, o tempo e a distância parecem desaparecer imediatamente. Mas os assuntos, esses estão defasados e para isso não há muito remédio. O paliativo é aquela sessão de perguntas de parte a parte na tentativa de trazer tudo para o presente. “E fulano?“ “E aquela fulana?” “Sicrano saiu? Não me diga!” À medida que os tempos vão se atualizando, começa um processo interessante, particularmente quando, como foi o meu caso, se teve um período em que as coisas estavam sob a nossa orientação e condução. O que começa a brotar lá do nosso interior é uma curiosidade terrível para saber como anda tudo agora, sob nova direção. Afinal, como se diz hoje em dia, a fila anda. Nada mais natural que tudo continuar em movimento e o chamado “nosso tempo” ficar para trás”. Sim, natural, mas não necessariamente muito fácil de digerir. Porque bem lá no fundo dos nossos escondidos parece que existe um diabinho insistindo em fazer com que se acredite que, depois de nós, não apareceu mais ninguém. 

E, numa conversa de velhos amigos como a do nosso almoço, aparece com toda naturalidade que esse diabinho está demoniacamente errado. A fila anda, não é mesmo? Mas isso seria até pouco importante, não fosse o fato de que, ao avançar na conversa, se começa a perceber quanta coisa se faz diferente do que se fazia e o resultado é muito melhor. Essa parte é ainda mais complicada de digerir. Lá vem o diabinho, de novo, com suas provocações: “Mas você não se achava ótimo?”

Pois é. O nosso almoço durou cerca de duas horas e foi ótimo em todos os sentidos. Saí de lá feliz com as boas noticias que recebi, todos muito bem vivendo sob nova e muito boa direção. Refleti um pouco com o meu diabinho e, para minha satisfação, acho que consegui mandá-lo para o diabo, ao menos temporariamente. Eu fiz o que pude e, para o momento em que tudo aconteceu, não tenho motivos para me queixar. Mas, a fila anda e isso não tem nada de ruim. Até porque é assim que funciona a natureza e dela não vem nada de errado. E também refleti mais um bocado sobre a história do passado e de se tentar revivê-lo. É ruim, mesmo. Aprecia-lo é uma coisa. Tentar revivê-lo é outra e péssima. E tem um ponto adicional que é de se pensar. Por mais que se tente manter o passado no passado, não há como desaparecer com ele. Então, convém pensar muito bem em como a gente anda pela vida afora porque, mais cedo ou mais tarde, do nada esse danado aparece. 

E, dar de cara com ele pode ser um susto e tanto. Campeando por aí, há um bocado de gente graúda que manda e desmanda e nem por isso vai conseguir se esconder atrás do biombo quando o passado aparecer. Seja por meio de um velho amigo ou de um velho inimigo ou, o que é ainda pior, no meio do quarto escuro.


(*) Advogado , morador em S. Bernardo do Campo (SPO).
Escreve para o site O Dia Nosso De Cada Dia - http: blcon.wordpress.com


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