Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa (*)
Lendo o editorial de O Globo de ontem parei no primeiro parágrafo e fiquei um bocado de tempo imóvel, sem conseguir prosseguir na leitura:
“Se um Boeing lotado de passageiros tivesse caído, sem deixar sobreviventes, em algum ponto do Brasil entre sábado e a Terça-Feira Gorda, o país estaria a esta hora chorando uma tragédia. O acidente aéreo não aconteceu, mas nesse mesmo período as estradas brasileiras foram palco de uma tragédia de igual dimensão”.
A verdade, quando vem assim seca, sem enfeites, tem o mau costume de nos assaltar.
213 mortos e 2441 feridos certamente não impediriam o carnaval de fluir pelos sambódromos, ruas e praças do país, mas quero crer que salpicassem de amargor a folia.
Os jornais dividiriam, ainda que a contragosto, suas capas com fotos da alegria e da dor. Assim é a vida, dirão os mais céticos.
A notícia não foi escamoteada; os números citados copiei de reportagens e análises lidas nos grandes portais e jornais: Para especialistas, chuva e aumento da frota não explicam número de mortes nas estradas ou Estradas têm o carnaval mais violento da história: quase 50% mais mortes
Mas o que não houve foi a tal da comoção nacional. Que teria havido se essas mortes tivessem ocorrido de um só golpe.
Quem já perdeu uma pessoa amada numa estrada mal conservada ou mal policiada, não pode compreender o justo esparrame que se faz sobre um desastre aéreo, comparado ao silêncio das autoridades a respeito das mortes nas estradas.
E, no entanto, nosso chão é muito mais cruzado que nossos céus...
Excesso de velocidade, embriaguês, cansaço, desrespeito, abusos de toda sorte, tudo isso é culpa do motorista.
Estradas mal sinalizadas, sem acostamento, com a “pista” toda esburacada, sem fiscalização rigorosa, isso não é culpa do motorista.
Na BR-460, MG, um carro caiu numa cratera formada há quatro (4) meses! Não havia sinalização nessa BR que não cruza nenhum rincão muito ermo: vai dar em Lambari, cidade turística daquele estado.
Não entraram nessa conta macabra as rodovias estaduais ou vicinais– as estatísticas são da Polícia Rodoviária Federal.
Andam ansiosos pela criação da Comissão da Verdade, não é? Pois peço que incluam a seguinte verdade: do Recife a Brasília, por Salgueiro e Petrolina, cortando o interior das imensas Bahia e Minas, em direção a Belo Horizonte, Brasília, depois Rio e de volta ao Recife passando por Salvador, Aracaju e Maceió, percorremos, meu marido e eu, em 1971, uma das mais perfeitas estradas em que já viajei.
Governar era abrir estradas. Conservá-las, será o quê?
(*) Tradutora
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