terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Uma Copa na Lama

Sérgio Siqueira para Blog Sanatório da Notícia

Não é nada, não é nada, a verba de R$ 780 milhões anunciada pelo governo Dilma para a reconstrução das cidades soterradas "pelas chuvas" na região Serrana do Rio de Janeiro, não é nada mesmo.

A destinação não chega nem a fazer cócegas no valor de R$ 750 milhões estimado para a reconstrução do Mané Garrincha, em Brasília, afora o custo da iluminação e do gramado. Seria de morrer de rir, não fosse a triste realidade de continuar em pranto pelos que morreram sem, sequer, poder chorar.

É que reconstruir Teresópolis, Petrópolis, Nova Friburgo, Itaipava, São José do Vale do Rio Preto, Sumidouro, Areal, Tres Rios, Bom Jardim, Duas Barras, a região Serrana como um todo, não tem a prioridade, nem a mesma importância, ou a mesma urgência que aprontar estádios para a Copa do Mundo de 2014 e fazer apista para os Jogos de 2016. Se tivesse, o governo não teria deixado de aplicar, nos últimos sete anos, R$ 1 bilhão e 800 milhões na prevenção de enchentes - como revela o site Contas Abertas.

Um governo que se preze, um país que tenha consciência, que tenha as duas coisas - amor próprio e alma - não troca a paixão ao futebol pelo amor ao próximo. Até porque, o próximo, é ele próprio.

Certo? Nem tanto. A Gávea estava em festa por Ronaldinho Gaúcho no dia em que a enchurrada começava a riscar a serra carioca do mapa. O Botafogo celebrou, neste domingo (16) em ritmo de samba e folia, o seu novo time para este promissor ano de 2011. E, porque a vida não pára, o domingo foi de futebol. Em canal aberto ou paper-view.

Um governo que se preze e um país que tenha espirito de solidariedade, não poderia admitir - em tempo nenhum de sua História, que um só tijolo fosse colocado numa obra sequer de reconstrução de um estádio "porque a Copa do Mundo vem aí", antes que as cidades da região Serrana do Rio fossem reerguidas de cada um de seus escombros e trazidas de volta à vida "porque o Brasil é um país sério".

Replay, para que não haja dúvida: nenhum tijolo, antes da vida voltar ao normal nas cidades destruídas pela hecatombe que desmorona o Brasil de todos os gentílicos - cariocas, mineiros, gaúchos, nordestinos.

A Copa do Mundo é nossa? Então, com o Brasil não há quem possa... Eeêta esquadrãode ouro! Sobram dinheiro e bondade nas burras públicas para essa irreversível comoção mundial da bola, como sobrarão dinheiro e bondade para os Jogos de 2016, tão inadiáveis quanto a promoção da Fifa - entidade superior que, com a seleção de empresas nacionais que estiverem envolvidas com a Copa, serão cercadas de benesses próprias dos deuses do esporte.


Pelo conjunto da obra, elas - a Fifa e as empresas - serão agraciadas com uma isenção fiscal que, nessa corrida do ouro, ultrapassa a cifra de R$ 1 bilhão e 200 milhões em impostos que deixarão de ser recolhidos aos cofres governamentais.

Do jeito que, até aqui, os governos tem levado as catástrofes naturais na esportiva, pelo mundo do direito e da justiça, a reconstrução de cidades e regiões atingidas pelas tragédias que se repetem em efeito cascata pelo Brasil, por jurisprudência ou macabra isonomia, deveriam merecer a mesma atenção, o mesmo dinheiro, o mesmo selo de bondade, a mesma comovente solidariedade do governo.

Alguém já sabe qual o nível de isenção fiscal que será concedido às empresas encarregadas, desde já, a reerguer cidades cobertas pelas avalanches desnaturadas? Decerto, não; ninguém ouviu falar, posto que ninguém disse nada a respeito até agora.

Foi em meados do ano passado que o então presidente Luís Inácio Lula da Silva instituiu, por medida provisória (MP), a desoneração de impostos federais para as obras dos estádios da Copa de 2014. A isenção atendeu a pedidos dos comitês executivos locais das cidades-sede. A medida provisória, versão modernizada do velho AI-5, foi criada para reduzir consideralvelmente o custo das obras.

Pelo texto presidencial ficou definido que as empresas habilitadas pelo Ministério do Esporte serão desoneradas de PIS/Cofins, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto sobre Importação (II) de materiais, bens e serviços.

De acordo com levantamento da Agência Brasil - órgão oficial do governo, a renúncia fiscal poderia atingir R$ 35 milhões em 2010 e R$ 350 milhões até 2014. A medida entrou em vigor em 28 de agosto de 2010 e vai vigorar até 30 de junho de 2014.

Em maio do ano que já foi, o Congresso aprovou dois projetos de lei que isentam os parceiros comerciais e de transmissão televisiva da Fifa de impostos vinculados à realização da Copa. Estimativa do Ministério do Esporte sinaliza que o governo deixará de arrecadar R$ 900 milhões por meio dessa medida. Em contrapartida, o evento poderia gerar R$ 10 bilhões em impostos, segundo a mesma pasta com alça.

Então, pronto! É só o governo Dilma baixar, à imagem e semelhança do seu antecessor, uma MP idêntica, sem tirar nem pôr, para a reconstrução das cidades soterradas. Poder para tanto é que não falta. Isso sim faria do gesto de Lula, uma "herança bendita".

Bolas, não se trata de emoção. É coisa de razão. Fala-se de uma nação. O Brasil está se desmanchando sob o jugo da inversão de valores. O futebol parece valer mais que a vida. A relação de insensibilidade humana não é só dos que desejam muito mais um novo Maracanã do que uma região Serrana renascida; muito mais novas arenas para suas descontraídas olas, do que a velha e pesada tarefa de recuperar cidades demolidas pela insensatez do homem, antes, bem antes que "pelas chuvas". A insensibilidade é de ordem oficial. Só não pode virar cultura nacional.

Dito assim, tudo leva a crer que não faltará dinheiro aos borbotões para estádios reerguidos das cinzas, ressurgidos das brumas, pelo Brasil afora, aos quatro cantos e todos os ventos. Parece até que hoje não há 81 cidades em estado de emergência, beirando a calamidade pública nas Minas Gerais... E quanto vai custar o novo palco iluminado dos mineiros para a Copa?... Uma Teresópolis, uma Petropólis, ou só uma Itaipava?!?

O quié isso, companheiro? Esses números dizem respeito apenas à restauração, reconstrução ou coisa parecida de estádios. É assunto privado. O público e notório, não se iludam, vai gastar um dinheirão tão grande e tão mais perdulário com as chamadas "obras do entorno" - para, em nome do efeito residual, dar infraestrura que viabilize copa e jogos de cozinha até 2016. Então se é assim para o esporte, que assim o seja também para a qualidade de vida das cidades e para o bem de todos e felicidade geral da nação.

Parece até que a Grande São Paulo não está cercada de transbordantes e revoltosos rios Tietês e que precisa muito mais de um Coringão, um Morumbyzão ou coisa que o valha, do que vencer de virada o jogo da igualdade social, da qualidade de vida desse bocado enorme do Brasil que não pode parar.

Quanto custa um estádio paulistano a mais do que o renascimento da zona da serra no Rio?... Uma Nova Friburgo e suas adjascências, ou toda a região agora devastada?!?

Parece até que a missa de 7° Dia já apagou da memória os mortos da tragédia que soterrou Angra dos Reis, a quem o governo deve até hoje - segundo constatou outro dia o sempre atento e preciso site Contas Abertas - os R$ 30 milhões que prometeu há mais de um ano.
Pensar, apenas pensar mesmo que de leve, em realizar uma Copa do Mundo daqui a tres anos no Brasil e, na esteira do maior espírito esportivo promover as Olimpíadas de 2016 é mostrar o quanto um governo e seus penduricalhos, os donos do esporte, os cartolas de todos os perfís e dimensões, não correm perigo nessa grande aventura que é a vida. É esfregar na cara de uma nação a diferença real e oceânica entre os que podem e os que se sacodem nesse Brasil esportivo dominado por aquilo que Lula da Silva, durante oito anos, definiu como elite.

Já que eles vivem noutro mundo, então que organizem a Copa de 2014 lá nos canfundós do Judas, ou onde o diabo perdeu as botas - lugares de jardins, maçãs e serpentes, onde não há um país afundando em lama; onde não há uma nação sendo soterrada pelo deslizamento da indiferença, da insensibilidae, da desumanidade que, ao invés de recontruir cidades, prefere remodelar estádios. Façam a Copa por lá. E os Jogos também. A menos que não haja uma única cidade em ruínas aqui no Brasil.

Um comentário:

  1. Sinceramente depois de uma comentário tosco como esse querer comparar uma tragédia do Rio de Janeiro com gastos com a reforma do estádio Mané Garrincha. Primeiro de tudo, quem disse que a Dilma vai dar dinheiro para reforma? Ahhhh claro, com certeza, com estádios mediocres que a cidade de São Paulo está oferecendo para sediar a Copa do Mundo, inclusive Morumbi e Itaquerão vetados para abertura da Copa, pois a abertura vai ser mesmo em Brasília no Mané Garrincha, isso cheira mais a inveja.

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