Revista Isto É
O deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) transita pelos corredores do Congresso com uma desenvoltura que não revela o peso das acusações que ele carrega sobre os ombros. Prestigiado pelo PT, o parlamentar é homem das articulações e se acha em condições de traçar planos eleitorais ambiciosos. Conta até com o aval do ex-presidente Lula para realizar o antigo sonho de tornar-se prefeito de Osasco, seu berço político. A caminhada de João Paulo tem pela frente, porém, a sombra do processo do Mensalão, que será julgado este ano pelo Supremo Tribunal Federal. E isso não é pouco. Basta levar em conta o que conclui a própria Câmara dos Deputados, casa que abriga João Paulo. Segundo uma sindicância comandada por funcionários concursados da Câmara, há motivos concretos para que João Paulo figure como peça central do maior escândalo político dos últimos anos.
A sindicância interna da Câmara, à qual ISTOÉ teve acesso, atestou a ilegalidade do contrato assinado durante a gestão de João Paulo Cunha como presidente da Casa com a empresa SMP&B, do publicitário Marcos Valério. É exatamente essa acusação que arrasta Cunha para dentro do caso do Mensalão. Embora tenha sido concluída em dezembro de 2010, a investigação foi mantida em segredo e enviada com discrição à Procuradoria da República no início do ano passado. E até hoje não foi divulgada, contornando assim o desgaste de uma avaliação negativa de João Paulo feita por seus próprios pares. O sigilo em torno das conclusões da auditoria interna tem menos a ver com as consequências jurídicas e mais com o impacto político que a sindicância pode ter. O atestado de que houve ilegalidades nas negociações feitas pela Câmara com o pivô do Mensalão pode se tornar mais uma mancha na imagem do deputado.
As manobras políticas para ocultar investigações internas têm sido a regra na Câmara. Desde 2006, várias comissões destinadas a auditar as denúncias do Mensalão foram instaladas. Mas, estranhamente, todas acabaram extrapolando os prazos regimentais e, mesmo com fartos documentos e depoimentos, foram encerradas sem desfecho. Essa sindicância que mostra as irregularidades da gestão de João Paulo foi a única, entre uma dezena de apurações abertas, efetivamente concluída. Mesmo assim, como demorou demais para apontar um resultado, não poderá ser anexada ao processo que já tramita no STF porque forçaria uma nova fase de instrução. “As conclusões dessa sindicância servem para que conheçamos as irregularidades nos contratos. Caso o Ministério Público entenda que há alguma novidade ou fatos não incluídos no processo que já tramita, pode até entrar com uma nova ação. Por enquanto, creio que os efeitos são mais políticos do que jurídicos”, explica o ex-ministro do Supremo Carlos Velloso.
Mesmo sem compor o processo principal do Mensalão, a sindicância tem informações relevantes que podem representar, no mínimo, uma condenação moral ao ex-presidente da Câmara. Em 1.924 páginas e oito volumes, os técnicos listam falhas nos procedimentos de licitação que beneficiaram a SMP&B e afirmam que o procedimento adotado pela agência de Marcos Valério era ilegal. Com o aval de João Paulo Cunha, o publicitário contratava outras empresas, algumas de assessores do próprio petista. Elas executavam serviços para os quais Valério já fora pago com R$ 10 milhões. Na lista de subcontratados há uma dezena de empresas, inclusive institutos de pesquisa, como o Vox Populi, e assessorias políticas, como a Ideias, Fatos e Textos, entre outras.
Apesar de citar várias falhas nos processos de licitação da Câmara e nas subcontratações feitas pela SMP&B, a sindicância é cautelosa ao fazer acusações e evita atribuir responsabilidades. Um dos únicos citados como suspeito de conduta vedada é o servidor Márcio Araújo, então secretário de Comunicação de João Paulo Cunha. Araújo era também uma espécie de testa de ferro do parlamentar na comissão criada para licitar o contrato que deu a vitória à empresa de Marcos Valério. Ligado ao PT e fiel a Cunha, até então, por pouco Márcio Araújo não levou uma suspensão que mancharia sua ficha de funcionário público. A comissão pediu a abertura de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar sua responsabilidade durante as negociações envolvendo os contratos, mas a direção-geral da Câmara não acatou a recomendação da sindicância, alegando que os crimes cometidos pelo ex-secretário já haviam prescrito. “Não há nos autos elementos que determinem o dolo do servidor nas condutas observadas, apesar de existirem irregularidades na subcontratação das empresas”, diz a conclusão da sindicância. Nos bastidores, o entendimento é de que não seria justo punir um funcionário que teria apenas recebido ordens do presidente da Câmara para contratar a SMP&B. Márcio Araújo, por sua vez, alega que as falhas apontadas pela sindicância são “passíveis de ocorrer em qualquer organização”. Araújo diz até que as denúncias contra a gestão petista são fruto de uma perseguição do ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti (PP).
O atestado da sindicância de que houve ilegalidades no contrato é uma pedra no sapato de João Paulo Cunha, que até agora tem passado praticamente incólume pelas denúncias do Mensalão. Nas eleições de 2006 e 2010, reelegeu-se deputado com a maior votação do PT em São Paulo. Agora está em campanha para um cargo que ambiciona há tempos. Por três vezes consecutivas, Cunha foi derrotado nas eleições para a prefeitura da cidade – a quinta maior da Grande São Paulo. Na última disputa, em 1996, nem sequer passou para o segundo turno. O cenário atual, no entanto, é bem diferente. Sem precisar recorrer a prévias, o deputado federal já lançou a pré-candidatura com uma coligação que reúne 22 partidos, inclusive os opositores DEM e PPS.
Para o cientista político Alberto Carlos Almeida, do Instituto Análise, a explicação do sucesso de João Paulo Cunha está na força política que ele mobiliza. “É uma pessoa extremamente influente nas decisões dentro do partido. Tem uma máquina política gigante, sempre teve”, afirma. Cunha usa sua posição de destaque dentro do partido e a proximidade com o governo federal para turbinar sua candidatura. Prefeitos aliados e opositores locais da gestão Dilma costumam procurar o deputado para pedir a liberação de repasses e convênios. Cunha gosta de dizer que tem acesso irrestrito aos gabinetes ministeriais. Sua influência pode ser medida nos repasses da União para Osasco, que cresceram 10,6% após o também petista Emidio de Souza assumir a Prefeitura nas eleições de 2004. Entre 2006 e 2011, as transferências a Osasco somaram mais de R$ 1 bilhão, que foi aplicado em projetos e programas que serão bandeiras da campanha do petista. Com todo esse caminho pavimentado, a sindicância da Câmara pode virar um pesadelo para João Paulo Cunha e certamente servirá de munição para o PSDB, que planeja lançar o ex-prefeito dr. Celso Giglio. ISTOÉ procurou o deputado durante a semana passada, mas ele não retornou aos contatos. Toda vez que é questionado sobre sua participação no Mensalão, Cunha se diz inocente.
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