domingo, 4 de setembro de 2011

Sob medida

Dora Kramer para O Estado de S.Paulo

Em seu libelo contra o apoio geral à faxina que foi sem nunca ter sido, o PT mais uma vez levanta a tese da "conspiração midiática" à falta de argumentos para defender o indefensável, propõe censura e aponta a reforma política como solução para os males da corrupção.

Em resumo é a pauta do 4.º Congresso do partido que começou na sexta-feira e se encerra hoje em Brasília. Graças às garantias coletivas e individuais da Constituição, cada um discute o que bem entende. Inclusive quando escolhe debater o retrocesso e por mais que a agenda se localize a léguas do que seja relevante para o País.

O partido detentor da Presidência da República, pelo terceiro período consecutivo, de fato não está preocupado com o destino do Brasil: dedica-se exclusivamente a cuidar de si.
Se a ofensiva por razoável asseio moral remete à condescendência de Lula com a degradação dos costumes na política e relembre ao público as incursões do PT pelo terreno da transgressão, criminalize-se a ética como fruto de campanha referida em golpismos do passado.

Se a imprensa livre faz seu papel de fiscalizar, investigar e denunciar evidenciando a negligência governamental, restrinja-se a liberdade, ainda que isso rebaixe o Brasil à condição de não democracia.
Não há a menor importância, desde que o PT se safe e possa prosseguir na consecução de seu projeto de poder a qualquer custo. Ainda que o preço seja pago por todos na conta do atraso.

A opção preferencial pelo próprio umbigo não se traduz só na pauta de um congresso partidário, cujas decisões dificilmente sobrevivem à realidade, mas se expressa também nas ações com alguma chance de produzir malefícios na prática.
O PT vê que o "núcleo do combate à corrupção" está em duas reformas: política e do Estado. Sobre esta última prega no vazio, pois nem o partido nem seu governo dão sinais de insatisfação com o statu quo.

Quanto à reforma política os desejos do partido estão contidos na proposta que começa a tramitar na Câmara sob os auspícios do relator Henrique Fontana (PT-RS).
E quais são esses anseios? Pelo que diz a proposição, resumem-se a atender aos interesses do PT com concessões ao PMDB a fim de facilitar a maioria que faltou ao partido no Senado para aprovar o voto em lista fechada e o financiamento público de campanhas eleitorais.

A fórmula encontrada favorece os maiores partidos, em nada facilita a vida do eleitor, muito menos na essencial aproximação entre representantes e representados, não confere transparência ao processo e aprofunda os vícios do financiamento.
A atual sistemática do voto proporcional, de difícil compreensão, fica ainda mais confusa. O eleitor vota duas vezes: no partido e em um candidato de sua preferência, não necessariamente da mesma legenda escolhida para o voto em lista, sendo que os eleitos serão escolhidos alternadamente entre os mais votados nominal e partidariamente.

Se hoje dificilmente alguém lembra em quem votou, depois disso o eleitor nem sequer saberá quem escolheu, mas as cúpulas partidárias reforçarão suas posições.
De todos os defeitos o mais grave é o dito "financiamento público exclusivo" que prevê a criação de um fundo composto por dinheiro do Orçamento, mais doações de pessoas físicas e jurídicas. Ou seja, ao sistema atual acrescenta-se o dinheiro público.

A ser distribuído de que maneira? Uma pequena parte (5%) para todas as legendas, 15% para os partidos com representação no Congresso e 80% proporcionalmente ao tamanho das bancadas eleitas no pleito anterior.
Tudo feito na medida para fortalecer os mais fortes (PT e PMDB) e dificultar o fortalecimento dos mais fracos.

Pato pagador. Quando o governo fala em novas "fontes de recursos" fala do bolso do público pagante. E o Congresso, a fim de não parecer "irresponsável", embarcará na onda do discurso que habilmente a presidente constrói.

(*) Jornalista

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