quarta-feira, 15 de abril de 2015

O devido respeito

Luiza Nagib Eluf (*) 

 A moça era alta e magra, morena de cabelos longos, lisos e negros, olhos escuros amendoados, dentes perfeitos, lábios de fazer inveja. Advogada recém formada, estava em busca de emprego. Encontrou a empresa, mandou o currículo, foi chamada. 

Na entrevista, pediu salário alto, achando que teria de negociá-lo depois. Que nada, aceitaram na hora, estava aprovada. Voltou para casa feliz e ficou aguardando. 
Dois dias depois, o presidente da empresa liga e faz um convite. Venha amanhã à noite tomar um vinho comigo e assinaremos o contrato. Ela se surpreendeu, disse que não poderia encontrá-lo no horário sugerido, mas na segunda às 10 horas da manhã estaria na empresa. Constrangida, preocupada e muito decepcionada, a moça ligou para a tia, uma mulher de negócios, bem sucedida, muito experiente. 

O que faço? Perguntou. Acostume-se, disse a tia, é assim com toda mulher, gorda ou magra, alta ou baixa, bonita ou feia, mas com as bonitas é pior. 
Vou ou não vou? Quis saber a moça. Vá, não perca a oportunidade. Converse, não se intimide, mostre segurança, deixe claro que pretende trabalhar. Se houver um ataque sexual explícito, reaja como seu bom senso mandar,mas sugiro que seja enérgica, não tenha medo e diga adeus. 

Desde a adolescência até o fim da vida, mulheres são assediadas no local de trabalho, na escola, nas ruas, e, algumas muito sem sorte, em casa. A Lei considera crime as investidas praticadas contra subordinadas (assédio sexual, art.216-A, do Código Penal). 
Poucas vão à Delegacia prestar queixa devido às dificuldades de conseguir provas, devido ao medo ou à descrença, mas a Justiça do Trabalho vem sendo receptiva aos reclamos das empregadas, concedendo-lhes indenizações que asseguraram um pouco mais de dignidade à mulher no ambiente de trabalho. 

Com a idade, em geral depois dos quarenta anos, o assédio diminui, mas não acaba. Temendo a desvalorização e o desprezo,elas recorrem à ciência, medicina e tecnologia para driblar os sinais do tempo. Aos cinquenta, vem a plástica. Ou seja, não existe muito conforto nesse universo. Pior de tudo é a sensação injustiça social, homens parecem mais felizes, mais poderosos, eles não sofrem assédio nem se preocupam com a velhice porque pensam poder ser amados de qualquer jeito. Engano, o patriarcado acabou. Nos dias de hoje, ambos os sexos passam pelas mesmas agruras. Envelhecer não é fácil, mas tudo depende de como a idade é percebida e trabalhada. 

Alguns homens ainda se sentem em posição de superioridade porque conseguem parceiras de qualquer forma, principalmente pagando, mas é só uma sensação, não é realidade. Eles gostam de acreditar que, mesmo sendo a moça uma profissional do sexo, ele é um conquistador... Na verdade, o desconforto de todos é muito parecido ea supervalorização do sexo na meia idade é tragicômica (já a valorização, sem ideia fixa, é bastante benéfica). 

Parece antiquado falar em priorizar o "conteúdo" das pessoas, o intelecto anda tão em baixa que não faz diferença se a moça é analfabeta ou o sujeito não tem noções de higiene, o importante é o traseiro de cada um. 

No dia internacional da mulher, vale dizer que sentir desejo é normal, mas querer abusar das pessoas é ímpio. O respeito ao outro é essencial ao desenvolvimento de uma nação. Enquanto estivermos presos a conceitos medievais de relacionamento de gênero o país não alcançará o desenvolvimento que almeja. 

O respeito aos direitos da mulher como ser humano é condição sinequa non para o aquecimento da economia , para paz dentro e fora do lar e para o bom encaminhamento das crianças. 

(*) É advogada e escritora. É Procuradora de Justiça aposentada do Ministério Público de SP. Preside o Instituto de Águas do Brasil - INAGUAS.

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