A melhor notícia de 2015. O Flamengo fez história no futebol brasileiro. Acabou com a proteção aos dirigentes irresponsáveis, corruptos. Terão de pagar com seus bens por desvios ou incompetência…
Cosme Rímoli (*)
Não importa se um clube brasileiro vencer a Libertadores e o Mundial de Clubes.
Ou a Seleção de Dunga for a campeã invicta da Copa América. A melhor notícia para o futebol deste país aconteceu ontem, dia 7 de abril. Na Gávea, às 22 horas.
O Conselho Deliberativo do Flamengo fez história. Aprovou em unanimidade uma emenda no estatuto do clube que o adequa à Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, a Medida Provisória 671.
De forma simples, direta, sem a linguagem jurídica...O que significa esta adequação?
A partir desta administração, os dirigentes do Flamengo serão responsabilizados por prejuízos ou danos que causarem ao clube. Terão de disponibilizar seu patrimônio pessoal. Mesmo se não estiverem mais no comando na Gávea.
É uma vitória espetacular da honestidade. O clube mais popular do Brasil sabe muito bem o que é irresponsabilidade, péssimas administrações e até corrupção ao longo de sua história. Ao assumir a presidência, em 2012, Eduardo Bandeira de Mello ficou chocado com o que encontrou.
Como administrador de empresa e funcionário graduado do BNDES por 35 anos, Bandeira de Mello não acreditou nas contas do Flamengo. O clube devia mais de R$ 750 milhões.
Se seguisse o mesmo ritmo de administrações passadas, quebraria facilmente a barreira do R$ 1 bilhão negativo.
Bandeira de Mello viu muita coisa errada na administração de Patricia Amorim. Ela já havia encontrado na gestão de Márcio Braga, que acusava Hélio Ferraz e Gilberto Cardoso. Os dois assumiram no lugar do deposto Edmundo dos Santos Silva, que enfrentou acusações que quase o levaram preso. O próprio Edmundo criticava ferozmente a herança que recebeu de Kléber Leite. E por aí vai.
Desde 1895, quando Domingos Marques de Azevedo foi o primeiro presidente do Flamengo, sempre foi a mesma coisa. Dirigentes fizeram tudo o que desejaram na Gávea. Houve muita irresponsabilidade, para dizer o mínimo. Empresários vitoriosos, advogados brilhantes, brincaram com o clube com maior torcida em todo o Brasil. Não foram competentes sequer para construir até hoje um Centro de Treinamento digno e muito menos um estádio. O Flamengo não tem o direito de se contentar com o modesto Ninho do Urubu.
Muito pelo contrário, o dinheiro sempre se esvaiu da Gávea sem o menor controle.
Virou tradição o presidente que assumia anunciar pela imprensa que a situação estava terrível. E que o presidente anterior desperdiçou fortunas enquanto comandava o clube. Muitas vezes a situação foi comprovada e nada acontecia. Não havia um mecanismo legal que obrigasse o ressarcimento, a punição pela irresponsabilidade. Até por transações estranhas que despertavam as piores suspeitas.
Essa couraça de proteção aos dirigentes irresponsáveis não se limitava ao Flamengo.
Pelo contrário. Ela se estende até hoje a todos os presidentes de clubes deste país.
Ele nunca quiseram mexer nos estatutos de seus clubes para se responsabilizar judicialmente por eventuais abusos, atos irresponsáveis, até corruptos. Faziam farra com dinheiro alheio, sem o menor constrangimento.
Não se importavam em aumentar as dívidas dos clubes. No Brasil existe a nefasta ação governamental. Todos os presidentes deste país não quiseram enfrentar a situação de frente. A legislação sempre foi favorável aos irresponsáveis, aos corruptos dirigentes.
Eles sempre souberam que, por mais que gastassem, os clubes nunca fechariam as portas, a falência nunca foi opção aos clubes populares. Pelo simples, e mentiroso fato, de serem organizações particulares, sem fins lucrativos.
Na prática, a situação sempre foi simples. Clubes populares tem milhões e milhões de torcedores. Que são também eleitores. Que presidente da República mudaria a legislação e fecharia as portas do Flamengo, do Corinthians, do Internacional, do Atlético Mineiro? Ou de qualquer outra equipe de prestígio? Nenhum partido permitiria esse suicídio político.
Por mais probos, puros, honestos que fossem os presidentes que assumissem qualquer clube brasileiro, eles não iriam mexer nessa situação. Estava confortável demais.
Muitos deles até pensaram, mas foram desestimulados por seus vices e diretores.
Ninguém queria arriscar o próprio patrimônio em caso de negociações fracassadas ou dinheiro que sumisse do clube.
A situação brasileira beirava o ridículo. O país vivendo uma grave recessão.
A população clamando o fim da corrupção e impunidade dos políticos. E, de maneira hipócrita, dirigentes farreando com dinheiro dos clubes.
O governo ainda está para premiar a irresponsabilidade e corrupção no clubes, com um financiamento bizarro de R$ 4 bilhões para as dívidas em impostos de décadas.
O prazo para pagamento, vinte anos. Mas só isso não bastava. Dirigentes se uniram à bancada da Bola (deputados, senadores, prefeitos, governadores e ministros) para que não houvesse contrapartidas. Ou seja, só queriam dividir suas dívidas em 20 anos.
E mais nada. Já há 181 emendas ao projeto da presidente Dilma.
Diante desse quadro, o que o Flamengo fez ontem foi histórico. Um resumo do que foi aprovado pelo Conselho Deliberativo, de forma unânime, não custa relembrar.
A diretoria se obriga a publicar balanço trimestral na Internet e seguir regras comuns às empresas de capital aberto. O orçamento terá de ser respeitado de qualquer maneira. Sonegação de tributos e apropriação indébita serão cobrados de maneira exemplar.
Primeiro, com perda imediata de mandato. Depois, inelegibilidade por 15 anos.
E depois, processo judicial para que ressarça aos cofres cada centavo desperdiçado, que tenha sumido de maneira mal explicada.
É uma vitória da honestidade. O futebol brasileiro tem muito o que comemorar esse pioneirismo do Flamengo. Primeiro entre os grandes em realmente se moralizar.
Deixar legalmente tudo pronto para que os desonestos e irresponsáveis paguem de verdade por seus erros, seus atos corruptos.
Há a esperança agora que haja o efeito cascata. Que os outros dirigentes brasileiros sigam o exemplo. E alterem seus estatutos. Deixem claro que as salas das presidências não são lugar para bandidos, incompetentes. Ditadores que usam a popularidade dos clubes que presidem para cometerem abusos impensáveis, com dinheiro que não lhes pertence.
Não há como negar. O Clube de Regatas do Flamengo fez história no dia 7 de abril de 2015. A repercussão, como era de se esperar, não é grande. Atos de honestidade não combinam com o futebol brasileiro, há muito tempo. Mas isso pode mudar. O primeiro passo efetivo, de verdade, foi dado ontem.
Dirigentes irresponsáveis que paguem com seu patrimônio o dinheiro desperdiçado.
E os corruptos que acabem na cadeia.
Como acontece em qualquer instituição responsável no mundo. Na Gávea já é assim...
(*) Jornalista esportivo é comentarista na Record News
Cosme Rímoli (*)
Não importa se um clube brasileiro vencer a Libertadores e o Mundial de Clubes.
Ou a Seleção de Dunga for a campeã invicta da Copa América. A melhor notícia para o futebol deste país aconteceu ontem, dia 7 de abril. Na Gávea, às 22 horas.
O Conselho Deliberativo do Flamengo fez história. Aprovou em unanimidade uma emenda no estatuto do clube que o adequa à Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, a Medida Provisória 671.
De forma simples, direta, sem a linguagem jurídica...O que significa esta adequação?
A partir desta administração, os dirigentes do Flamengo serão responsabilizados por prejuízos ou danos que causarem ao clube. Terão de disponibilizar seu patrimônio pessoal. Mesmo se não estiverem mais no comando na Gávea.
É uma vitória espetacular da honestidade. O clube mais popular do Brasil sabe muito bem o que é irresponsabilidade, péssimas administrações e até corrupção ao longo de sua história. Ao assumir a presidência, em 2012, Eduardo Bandeira de Mello ficou chocado com o que encontrou.
Como administrador de empresa e funcionário graduado do BNDES por 35 anos, Bandeira de Mello não acreditou nas contas do Flamengo. O clube devia mais de R$ 750 milhões.
Se seguisse o mesmo ritmo de administrações passadas, quebraria facilmente a barreira do R$ 1 bilhão negativo.
Bandeira de Mello viu muita coisa errada na administração de Patricia Amorim. Ela já havia encontrado na gestão de Márcio Braga, que acusava Hélio Ferraz e Gilberto Cardoso. Os dois assumiram no lugar do deposto Edmundo dos Santos Silva, que enfrentou acusações que quase o levaram preso. O próprio Edmundo criticava ferozmente a herança que recebeu de Kléber Leite. E por aí vai.
Desde 1895, quando Domingos Marques de Azevedo foi o primeiro presidente do Flamengo, sempre foi a mesma coisa. Dirigentes fizeram tudo o que desejaram na Gávea. Houve muita irresponsabilidade, para dizer o mínimo. Empresários vitoriosos, advogados brilhantes, brincaram com o clube com maior torcida em todo o Brasil. Não foram competentes sequer para construir até hoje um Centro de Treinamento digno e muito menos um estádio. O Flamengo não tem o direito de se contentar com o modesto Ninho do Urubu.
Muito pelo contrário, o dinheiro sempre se esvaiu da Gávea sem o menor controle.
Virou tradição o presidente que assumia anunciar pela imprensa que a situação estava terrível. E que o presidente anterior desperdiçou fortunas enquanto comandava o clube. Muitas vezes a situação foi comprovada e nada acontecia. Não havia um mecanismo legal que obrigasse o ressarcimento, a punição pela irresponsabilidade. Até por transações estranhas que despertavam as piores suspeitas.
Essa couraça de proteção aos dirigentes irresponsáveis não se limitava ao Flamengo.
Pelo contrário. Ela se estende até hoje a todos os presidentes de clubes deste país.
Ele nunca quiseram mexer nos estatutos de seus clubes para se responsabilizar judicialmente por eventuais abusos, atos irresponsáveis, até corruptos. Faziam farra com dinheiro alheio, sem o menor constrangimento.
Não se importavam em aumentar as dívidas dos clubes. No Brasil existe a nefasta ação governamental. Todos os presidentes deste país não quiseram enfrentar a situação de frente. A legislação sempre foi favorável aos irresponsáveis, aos corruptos dirigentes.
Eles sempre souberam que, por mais que gastassem, os clubes nunca fechariam as portas, a falência nunca foi opção aos clubes populares. Pelo simples, e mentiroso fato, de serem organizações particulares, sem fins lucrativos.
Na prática, a situação sempre foi simples. Clubes populares tem milhões e milhões de torcedores. Que são também eleitores. Que presidente da República mudaria a legislação e fecharia as portas do Flamengo, do Corinthians, do Internacional, do Atlético Mineiro? Ou de qualquer outra equipe de prestígio? Nenhum partido permitiria esse suicídio político.
Por mais probos, puros, honestos que fossem os presidentes que assumissem qualquer clube brasileiro, eles não iriam mexer nessa situação. Estava confortável demais.
Muitos deles até pensaram, mas foram desestimulados por seus vices e diretores.
Ninguém queria arriscar o próprio patrimônio em caso de negociações fracassadas ou dinheiro que sumisse do clube.
A situação brasileira beirava o ridículo. O país vivendo uma grave recessão.
A população clamando o fim da corrupção e impunidade dos políticos. E, de maneira hipócrita, dirigentes farreando com dinheiro dos clubes.
O governo ainda está para premiar a irresponsabilidade e corrupção no clubes, com um financiamento bizarro de R$ 4 bilhões para as dívidas em impostos de décadas.
O prazo para pagamento, vinte anos. Mas só isso não bastava. Dirigentes se uniram à bancada da Bola (deputados, senadores, prefeitos, governadores e ministros) para que não houvesse contrapartidas. Ou seja, só queriam dividir suas dívidas em 20 anos.
E mais nada. Já há 181 emendas ao projeto da presidente Dilma.
Diante desse quadro, o que o Flamengo fez ontem foi histórico. Um resumo do que foi aprovado pelo Conselho Deliberativo, de forma unânime, não custa relembrar.
A diretoria se obriga a publicar balanço trimestral na Internet e seguir regras comuns às empresas de capital aberto. O orçamento terá de ser respeitado de qualquer maneira. Sonegação de tributos e apropriação indébita serão cobrados de maneira exemplar.
Primeiro, com perda imediata de mandato. Depois, inelegibilidade por 15 anos.
E depois, processo judicial para que ressarça aos cofres cada centavo desperdiçado, que tenha sumido de maneira mal explicada.
É uma vitória da honestidade. O futebol brasileiro tem muito o que comemorar esse pioneirismo do Flamengo. Primeiro entre os grandes em realmente se moralizar.
Deixar legalmente tudo pronto para que os desonestos e irresponsáveis paguem de verdade por seus erros, seus atos corruptos.
Há a esperança agora que haja o efeito cascata. Que os outros dirigentes brasileiros sigam o exemplo. E alterem seus estatutos. Deixem claro que as salas das presidências não são lugar para bandidos, incompetentes. Ditadores que usam a popularidade dos clubes que presidem para cometerem abusos impensáveis, com dinheiro que não lhes pertence.
Não há como negar. O Clube de Regatas do Flamengo fez história no dia 7 de abril de 2015. A repercussão, como era de se esperar, não é grande. Atos de honestidade não combinam com o futebol brasileiro, há muito tempo. Mas isso pode mudar. O primeiro passo efetivo, de verdade, foi dado ontem.
Dirigentes irresponsáveis que paguem com seu patrimônio o dinheiro desperdiçado.
E os corruptos que acabem na cadeia.
Como acontece em qualquer instituição responsável no mundo. Na Gávea já é assim...
(*) Jornalista esportivo é comentarista na Record News
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