segunda-feira, 23 de julho de 2012

Do gene egoísta ao genoma humano

Leonardo Boff (*) 

É notório que o sistema capitalista imperante no mundo é consumista, egoísta e depredador da natureza 

Tempos de crise sistêmica como os nossos favorecem uma revisão de conceitos e a coragem para projetar outros mundos possíveis que realizem o que Paulo Freire chamava de o “inédito viável”. 

É notório que o sistema capitalista imperante no mundo é consumista, visceralmente egoísta e depredador da natureza. Está levando toda a humanidade a um impasse pois criou uma dupla injustiça: a ecológica por ter devastado a natureza e outra social por ter gerado imensa desigualdade social. 

Simplificando, mas nem tanto, poderíamos dizer que a humanidade se divide entre aquelas minorias que comem à tripa forra e aquelas maiorias que se alimentam insuficientemente. Se agora quiséssemos universalizar o tipo de consumo dos países ricos para toda a humanidade, necessitaríamos, pelo menos, de três Terras, iguais a atual. 

Este sistema pretendeu encontrar sua base científica na pesquisa do zoólogo britânico Richard Dawkins que há trinta e seis anos escreveu seu famoso O gene egoísta (1976). A nova biologia genética mostrou, entretanto, que esse gene egoísta é ilusório, pois os genes não existem isolados, mas constituem um sistema de interdependências, formando o genoma humano que obedece a três princípios básicos da biologia: a cooperação, a comunicação e a criatividade. 

Portanto, o contrário do gene egoísta. Isso o demonstraram nomes notáveis da nova biologia como a prêmio Nobel Barbara McClintock, J. Bauer, C. Woese e outros. Bauer denunciou que a teoria do gene egoísta de Dawkins “não se funda em nenhum dado empírico”. 

Pior, “serviu de correlato biopsicológico para legitimar a ordem econômica anglo-norteamericana” individualista e imperial (Das kooperative Gen, 2008, p.153). 

Disto se deriva que se quisermos atingir um modo de vida sustentável e justo para todos os povos, aqueles que consomem muito devem reduzir drasticamente seus níveis de consumo. Isso não se alcançará sem forte cooperação, solidariedade e uma clara autolimitação. 

Detenhamo-nos nesta última, a autolimitação, pois é uma das mais difíceis de ser alcançada devido à predominância do consumismo, difundido em todas classes sociais. A autolimitação implica numa renúncia necessária para poupar a Mãe Terra, para tutelar os interesses coletivos e para promover uma cultura da simplicidade voluntária. 

Não se trata de não consumir, mas de consumir de forma sóbria, solidária e responsável face aos nossos semelhantes, à toda a comunidade de vida e às gerações futuras que devem também consumir. 

A limitação é, ademais, um princípio cosmológico e ecológico. O universo se desenvolve a partir de duas forças que sempre se auto-limitam: as forças de expansão e as forças de contração. Sem esse limite interno, a criatividade cessaria e seríamos esmagados pela contração. 

Na natureza funciona o mesmo princípio. As bactérias, por exemplo, se não se limitassem entre si e se uma delas perdesse os limites, em bem pouco tempo, ocuparia todo o planeta, desequilibrando a biosfera. Os ecossistemas garantem sua sustentabilidade pela limitação dos seres entre si, permitindo que todos possam coexistir. 

Ora, para sairmos da atual crise precisamos mais que tudo reforçar a cooperação de todos com todos, a comunicação entre todas as culturas e grande criatividade para delinearmos um novo paradigma de civilização. 

Há que darmos um adeus definitivo ao individualismo que inflacionou o “ego” em detrimento do “nós” que inclui não apenas os seres humanos mas toda a comunidade de vida, a Terra e o próprio universo.

(*) Teólogo, Escritor e Professor universitário. Foi expoente da Teologia da Libertação no Brasil. Foi mebro da Ordem dos Frades Menores , mais conhecida como Franciscanos.

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