Luciano Martins Costa para Observatório da Imprensa
Pesquisas de intenção de voto são um grande incentivo para a criatividade nas redações: com base em dados parciais, e muitas vezes sem considerar elementos conjunturais que influenciam as respostas dos consultados, os editores tascam suas versões com a mesma convicção de um apostador diante do guichê do Jóquei Clube.
Para quem duvida que há um viés homogêneo na mídia tradicional do país, basta comparar a interpretação apresentada nas edições de sexta-feira (23/5) pelos três principais jornais de circulação nacional à última pesquisa eleitoral do Ibope.
Os números indicam uma reversão na tendência apresentada nas duas consultas anteriores, que mostravam uma queda acentuada na preferência dada à reeleição da atual presidente da República. No entanto, agora os jornais se prendem apenas aos indicadores mais recentes, esquecendo o que disseram na consulta anterior, feita entre os dias 10 e 14 de abril: se o leitor for reler as edições do dia 15 do mês passado, vai encontrar uma profusão de opiniões falando em “tendência de queda” da presidente.
Por que razão, quando a candidata reverte o quadro e volta aos índices de preferência registrados em março, quando tinha 40% das intenções de voto, o critério passa a ser outro?
São poucos os fatos capazes de mudar a convicção de um grande número de indivíduos ao mesmo tempo. Entre março e abril, segundo a imprensa, a queda nas chances de reeleição de Dilma Rousseff foi provocada pela inflação – a bem da verdade, de um bombardeio de más notícias, destacadas pelos jornais, sobre oscilações de preços de alguns produtos.
Se o catastrofismo da imprensa influenciou os eleitores no mês passado, o que teria feito com que a tendência fosse revertida, devolvendo à presidente os mesmos 40% de março?
Os analistas selecionados pelos jornais dizem que a mudança foi causada por um anúncio do partido situacionista, acenando com o risco de retrocesso caso a oposição ganhe a eleição presidencial. Isso equivale a considerar que basta uma boa equipe de marqueteiros e qualquer um pode mudar a opinião de uma enorme massa de eleitores?
Claro que não: os jornalistas sabem que a opinião é influenciada por uma enorme complexidade de fatores, e que um filme de dez minutos na TV não seria capaz de reverter a tendência do eleitorado.
Uma paçoca e uma tubaína
O único texto que faz alguma justiça ao leitor mais crítico foi publicado pelo Globo, e tem como título a melhor interpretação que se pode fazer do atual momento político:
“Um enigma eleitoral”. Ali se observa que Dilma Rousseff se mantém na liderança da disputa, e que nove em cada dez eleitores se dizem “satisfeitos” ou “muito satisfeitos” com a vida que levam, porém dois terços querem mudanças no próximo governo e 67% querem uma mudança sem Dilma.
Para completar a análise, seria interessante refletir sobre a origem desse desejo de mudança em um contexto de ampla satisfação. Ganha uma paçoca quem especular que a satisfação de “nove entre dez” brasileiros é produzida pela percepção racional de que sua vida melhorou nos últimos anos. Ganha uma tubaína quem acrescentar que o desejo de mudança nasce do aumento da consciência do cidadão sobre a permanência de problemas estruturais na política e nas instituições públicas. Ganha a paçoca e a tubaína quem somar as duas coisas e observar que a imprensa esconde a parte boa da realidade e exacerba a parte ruim.
Portanto, não é completamente correta nenhuma análise sobre pesquisas de intenção de voto que não levar em conta a influência do noticiário no estado de espírito dos eleitores. Ao bombardear a sociedade com um noticiário negativo e sem tréguas, a imprensa produz um pessimismo que se personifica na figura da chefe do Executivo. No entanto, a realidade acaba se impondo, e produz a contradição vista pelo articulista do Globo.
Como se vê, é um enigma de fácil solução.
A leitura do conjunto de jornais mostra que a imprensa não consegue admitir que, apesar de sua campanha catastrofista, a sociedade vai discernindo a realidade em meio à fumaça do noticiário. A leitura dos indicadores da pesquisa induz à conclusão de que o eleitor está menos suscetível à influência da mídia.
Pelos números do Ibope, todos os candidatos ganharam alguns pontos.
Só a imprensa perdeu.
(*) Jornalista e escritor
Pesquisas de intenção de voto são um grande incentivo para a criatividade nas redações: com base em dados parciais, e muitas vezes sem considerar elementos conjunturais que influenciam as respostas dos consultados, os editores tascam suas versões com a mesma convicção de um apostador diante do guichê do Jóquei Clube.
Para quem duvida que há um viés homogêneo na mídia tradicional do país, basta comparar a interpretação apresentada nas edições de sexta-feira (23/5) pelos três principais jornais de circulação nacional à última pesquisa eleitoral do Ibope.
Os números indicam uma reversão na tendência apresentada nas duas consultas anteriores, que mostravam uma queda acentuada na preferência dada à reeleição da atual presidente da República. No entanto, agora os jornais se prendem apenas aos indicadores mais recentes, esquecendo o que disseram na consulta anterior, feita entre os dias 10 e 14 de abril: se o leitor for reler as edições do dia 15 do mês passado, vai encontrar uma profusão de opiniões falando em “tendência de queda” da presidente.
Por que razão, quando a candidata reverte o quadro e volta aos índices de preferência registrados em março, quando tinha 40% das intenções de voto, o critério passa a ser outro?
São poucos os fatos capazes de mudar a convicção de um grande número de indivíduos ao mesmo tempo. Entre março e abril, segundo a imprensa, a queda nas chances de reeleição de Dilma Rousseff foi provocada pela inflação – a bem da verdade, de um bombardeio de más notícias, destacadas pelos jornais, sobre oscilações de preços de alguns produtos.
Se o catastrofismo da imprensa influenciou os eleitores no mês passado, o que teria feito com que a tendência fosse revertida, devolvendo à presidente os mesmos 40% de março?
Os analistas selecionados pelos jornais dizem que a mudança foi causada por um anúncio do partido situacionista, acenando com o risco de retrocesso caso a oposição ganhe a eleição presidencial. Isso equivale a considerar que basta uma boa equipe de marqueteiros e qualquer um pode mudar a opinião de uma enorme massa de eleitores?
Claro que não: os jornalistas sabem que a opinião é influenciada por uma enorme complexidade de fatores, e que um filme de dez minutos na TV não seria capaz de reverter a tendência do eleitorado.
Uma paçoca e uma tubaína
O único texto que faz alguma justiça ao leitor mais crítico foi publicado pelo Globo, e tem como título a melhor interpretação que se pode fazer do atual momento político:
“Um enigma eleitoral”. Ali se observa que Dilma Rousseff se mantém na liderança da disputa, e que nove em cada dez eleitores se dizem “satisfeitos” ou “muito satisfeitos” com a vida que levam, porém dois terços querem mudanças no próximo governo e 67% querem uma mudança sem Dilma.
Para completar a análise, seria interessante refletir sobre a origem desse desejo de mudança em um contexto de ampla satisfação. Ganha uma paçoca quem especular que a satisfação de “nove entre dez” brasileiros é produzida pela percepção racional de que sua vida melhorou nos últimos anos. Ganha uma tubaína quem acrescentar que o desejo de mudança nasce do aumento da consciência do cidadão sobre a permanência de problemas estruturais na política e nas instituições públicas. Ganha a paçoca e a tubaína quem somar as duas coisas e observar que a imprensa esconde a parte boa da realidade e exacerba a parte ruim.
Portanto, não é completamente correta nenhuma análise sobre pesquisas de intenção de voto que não levar em conta a influência do noticiário no estado de espírito dos eleitores. Ao bombardear a sociedade com um noticiário negativo e sem tréguas, a imprensa produz um pessimismo que se personifica na figura da chefe do Executivo. No entanto, a realidade acaba se impondo, e produz a contradição vista pelo articulista do Globo.
Como se vê, é um enigma de fácil solução.
A leitura do conjunto de jornais mostra que a imprensa não consegue admitir que, apesar de sua campanha catastrofista, a sociedade vai discernindo a realidade em meio à fumaça do noticiário. A leitura dos indicadores da pesquisa induz à conclusão de que o eleitor está menos suscetível à influência da mídia.
Pelos números do Ibope, todos os candidatos ganharam alguns pontos.
Só a imprensa perdeu.
(*) Jornalista e escritor
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