segunda-feira, 26 de maio de 2014

A Executiva no Céu

Max Gehringer (*)

Foi tudo muito rápido. 
A executiva bem-sucedida sentiu uma pontada no peito, vacilou, cambaleou. Deu um gemido e apagou.

Quando voltou a abrir os olhos, viu-se diante de um imenso portal. 
Ainda meio zonza, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas. Todas vestindo cândidos camisolões e caminhando despreocupadas. 
Sem entender bem o que estava acontecendo, a executiva bem-sucedida abordou um dos passantes: 

-Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para o meu escritório, porque tenho um meeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida para cá por engano, porque meu convênio médico é classe A, e isto aqui está me parecendo mais um pronto-socorro. Onde é que nós estamos? 
-No céu. 
-No céu?... 
-É. Tipo assim, o céu. Aquele com querubins voando e coisas do gênero. 
-Certamente. Aqui todos vivemos em estado de gozo permanente. 

Apesar das óbvias evidências (nenhuma poluição, todo mundo sorrindo, ninguém usando telefone celular), a executiva bem-sucedida custou um pouco a admitir que havia mesmo apitado na curva. 

Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveis técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era inaceitável. 
Porque, ponderou, dali a uma semana ela iria receber o bônus anual, além de estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho de administração da empresa.
E foi aí que o interlocutor sugeriu: 

-Talvez seja melhor você conversar com Pedro, o síndico. 
-É? E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária? 
-Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece. 
-Assim? (...) 
-Pois não? 

A executiva bem-sucedida quase desaba da nuvem. 
À sua frente, imponente, segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro. Mas, a executiva havia feito um curso intensivo de approach para situações inesperadas e reagiu rapidinho: 

-Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma executiva bem-sucedida e... 
-Executiva... Que palavra estranha. De que século você veio? 
-Do 21. O distinto vai me dizer que não conhece o termo "executiva"? 
-Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo. 

Foi então que a executiva bem-sucedida teve um insight. 
A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, a executiva poderia rapidamente assumir uma posição hierárquica, por assim dizer, celestial ali na organização. 

-Sabe, meu caro Pedro. Se você me permite, eu gostaria de lhe fazer uma proposta. Basta olhar para esse povo todo aí, só batendo papo e andando à toa, para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para dar um upgrade na produtividade sistêmica. 
-É mesmo? 
-Pode acreditar, porque tenho PHD em reengenharia. Por exemplo, não vejo ninguém usando crachá. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz o quê? 
-Ah, não sabemos. 
-Headcount, então, não deve constar em nenhum versículo, correto? 
-Hã? 
-Entendeu o meu ponto? Sem controle, há dispersão. E dispersão gera desmotivação. 
Com o tempo isto aqui vai acabar virando uma anarquia. Mas nós dois podemos consertar tudo isso rapidinho implementando um simples programa de targets individuais e avaliação de performance. 
-Que interessante. .. 
-Depois, mais no médio prazo, assim que os fundamentos estiverem sólidos e o pessoal começar a reclamar da pressão e a ficar estressado, a gente acalma a galera bolando um sistema de stock option, com uma campanha motivacional impactante, tipo: "O melhor céu da América Latina". 
-Fantástico! 
-É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização de um organograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis psicológicos não consigam resolver. 
-Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar a definir as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metas factíveis de leverage, maximizando, dessa forma, o retorno do investimento do Grande Acionista... Ele existe,certo? 
-Sobre todas as coisas. 
-Ótimo. O passo seguinte seria partir para um downsizing progressivo, encontrar sinergias high-tech, redigir manuais de procedimento, definir o marketing mix e investir no desenvolvimento de produtos alternativos de alto valor agregado. O mercado telestérico por exemplo, me parece extremamente atrativo.
-Incrível! 
-É óbvio que, para conseguir tudo isso, nós dois teremos que nomear um board de altíssimo nível. Com um pacote de remuneração atraente, é claro. Coisa assim de salário de seis dígitos e todos os fringe benefits e mordomias de praxe. Porque, agora falando de colega para colega, tenho certeza de que você vai concordar comigo, Pedro. O desafio que temos pela frente vai resultar em um turnaround radical. 
-Impressionante! 
-Isso significa que podemos partir para a implementação? 
-Não. Significa que você terá um futuro brilhante ... se for trabalhar com o nosso concorrente. Porque você acaba de descrever, exatamente, como funciona o Inferno...

(*) É administrador de empresas e escritor, autor de diversos livros sobre carreiras e gestão empresarial

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