Opinião do Estadão
Quando vieram lhe pedir a cabeça do todo-poderoso chefe do FBI, J. Edgar Hoover, porque mandara espionar os líderes do movimento pelos direitos civis, sem respeitar nem o reverendo Martin Luther King, o presidente Lyndon Johnson, que governou os Estados Unidos de 1963 a 1969, rejeitou a ideia com um argumento que se tornaria um marco do pragmatismo político, quanto mais não fosse pela forma que o desbocado texano encontrou para se expressar. "É melhor ter o Hoover dentro da nossa tenda, urinando para fora", ensinou, "do que tê-lo fora, urinando para dentro".
A presidente Dilma Rousseff pode, ou não, conhecer a história - e decerto não usaria tais termos em circunstâncias similares. Mas, aconselhada pelo expoente do pragmatismo na política brasileira, o seu antecessor Lula da Silva, a presidente aplicou a Lei de Johnson para recompor as suas relações com os partidos aliados, a começar pelo mais forte deles, o PMDB do vice Michel Temer, com seus 80 senadores e 20 deputados. Reunida na segunda-feira à noite com a cúpula da sigla e a do PT - a "espinha dorsal do governo", como disse -, Dilma parecia o seu patrono.
Enquanto os convivas sorviam um alentador caldo verde, anunciou o descongelamento imediato de R$ 1 bilhão para as emendas parlamentares da base, prometeu evitar novos atritos, manifestou "confiança" no peemedebista Pedro Novais, titular da escrachada pasta do Turismo, e considerou nada menos do que "exemplar" a conduta do colega dele na Agricultura, Wagner Rossi, outro correligionário alcançado por denúncias de corrupção. (No dia seguinte, exsudando felicidade, ele desfilaria pela repartição com os braços erguidos e os punhos cerrados, repetindo, pateticamente: "Estou firme, estou firme". Em menos de 24 horas viu-se obrigado a deixar o governo.)
Não menos exultante, também por motivos pessoais, como não poderia deixar de ser, ficou o líder do PMDB na Câmara, Henrique Alves, que vinha reclamando do frio na tenda dilmista. A reunião, entoou, representou um "novo marco". Pudera: a anfitriã chancelou o acordo pelo qual o PT ficou de ceder ao PMDB, ou seja, a Alves, a presidência da Casa em 2013. Era o que ele mais queria para se sentir reconfortado e pronto para fazer o equivalente ao que o americano Johnson queria que o indócil Hoover fizesse "para fora". E Dilma, que imaginara ingenuamente que bastaria um encontro daqueles por semestre, vai fazer um por mês - sem deixar de fora nenhuma legenda aliada.
Poderá, quem sabe, convidar até os senadores do PR que divergiram da decisão do seu presidente, o ex-ministro Alfredo Nascimento, de retirar o partido da coalizão, em represália à limpeza ética que o apeou e aos seus apaniguados dos Transportes. O capixaba Magno Malta, por exemplo, anunciou que não tem a menor intenção de sair da base. O seu irmão Maurício, a propósito, usufrui de uma boquinha no famigerado Dnit. Outro perrepista dissidente, o mineiro Clésio Andrade, tem um afilhado na superintendência local do órgão. A rigor, não havia motivo para ansiedade: o PR não pediu a ninguém que se demitisse; apenas que deixasse os cargos "à disposição".
O pano de fundo da conversão de Dilma ao pragmatismo lulista combina dois tons. Um é a ficha que enfim caiu: a base não pertence à presidente; é uma aquisição do seu mentor, cedida a ela em comodato e sujeita a panes se não for administrada como os seus membros foram acostumados a esperar. O outro tom são as circunstâncias: Dilma precisa de votos no Congresso não apenas para a "governabilidade", em abstrato, mas para aprovar medidas que poupariam o País do contágio da crise externa e derrubar aquelas que, no seu entender, tenham efeito oposto. Nessa conjuntura, a higiene johnsoniana na tenda é tida como crucial pela presidente.
Não se trata, portanto, daquela que seria propiciada pela dedetização dos inumeráveis focos de corrupção no seu interior. Talvez Dilma já não reaja a novas denúncias da imprensa como reagiu no caso dos Transportes. Segundo uma versão, no ágape com o esfaimado PMDB, ela teria considerado "sectarista" (sic) a cobertura dos escândalos. No sentido que conta, é mesmo. Cabe à imprensa, de fato, distinguir o bem do mal - e escolher entre um lado e outro.
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