Ruy Fabiano (*) para O Globo
Quando na Presidência, Lula, reiteradas vezes, queixou-se do que considerava protagonismo excessivo de FHC na política. Segundo ele, um ex-presidente deveria “ficar calado” e só falar quando solicitado. Deveria ser uma espécie de conselheiro da República, acima dos partidos, pronto a colaborar com quem estivesse no cargo.
As intervenções de FHC, diga-se, limitavam-se (e limitam-se) à publicação de artigos e eventuais entrevistas, a maioria em resposta a provocações do próprio Lula, que prometia:
“Quando deixar a Presidência, vou ensinar como se deve comportar um ex-presidente. Vou vestir um calção e tomar umas cervejas com os amigos em São Bernardo”.
Pelo andar da carruagem, ou Lula ainda não se percebeu um ex-presidente, pois não cumpre nada do que recomendava, ou sua receita só vale para os outros. Continua sendo o protagonista-mor da política brasileira, embora ex-presidente.
Além de ter indicado os mais importantes ministros de Dilma – quatro dos quais já demitidos, três por corrupção -, continua dando palpites em todos os temas e ensinando publicamente como deve agir a presidente que ele mesmo inventou.
Acha, por exemplo, que ela não deve prosseguir na faxina ministerial para não fustigar a base parlamentar, o que a expõe (a base) à pecha de corrupta in totum.
Ao inventar Dilma, Lula desafiou um paradigma da política brasileira: a síndrome dos padrinhos. Consiste na ruptura de relações por parte dos apadrinhados.
Sarney conhece bem o problema. Rompeu com seu padrinho, Vitorino Freire, ainda nos anos 60, e viu-se na mesma situação diante de numerosos afilhados que posteriormente lançou na política, inclusive o mais recente, Jackson Lago, cujo mandato cassou no TSE, transferindo-o à filha, Roseana, que governou sem ter sido eleita.
Em síntese, a síndrome funciona assim: incomodado com a tutela, o apadrinhado sente-se limitado em seus poderes e busca o rompimento. Dilma, porém, não tem autonomia política para fazê-lo.
Em suas primeiras movimentações, pode ter dado sinais de que o faria, dadas as sucessivas demissões ministeriais, que atingiram ministros indicados por Lula. Mas não foi assim.
A faxina deu-se (dá-se) à sua revelia, sob pressão de denúncias da mídia ou de atos voluntários (e claramente indesejados) da própria Polícia Federal.
A investida no Ministério do Turismo, por exemplo, não foi precedida por nenhuma notícia da imprensa. Ela apenas a acompanhou, surpresa.
Até então, o que se sabia daquele Ministério restringia-se às incursões ginecológicas de seu titular, sob os auspícios da verba de representação da Câmara dos Deputados, um escândalo que precedeu (e não impediu) sua posse.
Dilma vive o dilema entre seguir Lula, interrompendo a faxina, ou atender a opinião pública, que aplaude as demissões. Até aqui, tem preservado suas relações com Lula, o que, se não lhe garante a simpatia e confiança das bases, ao menos lhe cria a perspectiva de recompô-las. Neste momento, é o que mais lhe convém.
Lula, por sua vez, vê na crise uma oportunidade de protagonismo, que aumenta seu prestígio junto às bases, que anseiam pelo aprofundamento de sua influência.
Desde que as demissões começaram, um surto de nostalgia lulista perpassa a maioria governista no Congresso.
Já se fala em 2014, o que é uma piada, já que não se sabe o que ocorrerá nas eleições do ano que vem, prévia decisiva para qualquer prospecção.
Lula finge se incomodar com o tema, mas não se furta de sobre ele discorrer. E o que diz? Esta semana, declarou: “Quem decide se vou ser candidato sou eu em primeiro lugar e o PT em segundo lugar”.
Quanto a isso, nada mudou: o comando é dele - e o partido que trate de a ele se ajustar.
Dilma tem apenas oito meses de governo e já vê sua sucessão sendo discutida pelos próprios aliados. Nessa discussão, figura como hipótese secundária e condicional: “Se ela estiver bem até lá”, diz seu ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, “tudo bem”.
E se não estiver? A condicionante já embute a resposta e a ideia de que, neste momento, não está.
Noves fora tudo isso, uma conclusão: o governo Dilma ainda não começou. Começará?
(*) Jornalista
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