Fernando Gabeira para O Estado de S.Paulo
Uma das críticas que faço ao governo Dilma é não estar adequadamente preparado para Copa do Mundo e Olimpíada. E uma evidência do despreparo é o atual Ministério do Turismo.
O escândalo envolvendo ONGs e laranjas foi apenas uma dramatização. Mesmo antes do trânsito para uma dimensão ilegal, o panorama era desolador.
Os bilhões gastos nos dois eventos esportivos não se podem esgotar na emoção do momento, nos gritos de gol, nos acenos de bandeiras. Um aspecto decisivo, durante e depois da Copa, é a consolidação do turismo no Brasil. O governo deveria ter as pessoas mais antenadas com o setor, mais aptas a explorar o leque de possibilidades aberto para o País. Ainda abstraindo a corrupção, é possível afirmar que foram escolhidas as pessoas menos talhadas para dar este gigantesco passo estratégico: pôr o turismo no Brasil entre os mais procurados do mundo.
Pedro Novais e Frederico Costa, o n.º 1 e o n.º 2 recém-demitido da pasta, esboçaram sua visão, de certa maneira. O ministro Novais destinou mais recursos ao Maranhão do que ao Rio de Janeiro. Costa canalizou verbas para o Rio Quente Resorts, de propriedade de sua família. No momento em que se pede uma política com abertura para o mundo, o n.º 1 e o ex-n.º 2 cuidaram do próprio umbigo. No lugar do cosmo, o clã. Pedro Novais não pertence, mas serve ao clã dos Sarneys.
A escolha dessa equipe num momento decisivo de preparação de eventos mundiais revela uma grande fragilidade da coligação instalada no governo a partir das eleições de 2010. Quando era mais necessário um avanço no setor, a escolha de Dilma representou um retrocesso. Mesmo não sendo um técnico, por exemplo, Mares Guia tornou-se ministro e aprendeu os segredos da área.
Em sua defesa, o governo pode invocar a governabilidade. Novais é do PMDB, tem o apoio do partido e é ligado a Sarney. As emendas parlamentares para o setor totalizaram R$ 3,5 bilhões. É preciso um ministro que faça a bola correr. É um tipo de raciocínio que interessa à base parlamentar do governo. Mas não interessa ao País. Um pouco como a existência de duas galáxias: numa delas orbitam os objetivos estratégicos do País e a responsabilidade da aplicação inteligente dos recursos nacionais nos dois eventos; na outra, a maquinação política mais estreita.
É possível Dilma ter outra linha de defesa. Garantida a governabilidade, cria-se uma boa equipe que possa superar com sua qualidade a ineficácia do Turismo. Mas os ministérios mais próximos, os de Esportes e da Cultura, não têm como socorrer Novais. No primeiro não são estranhos também os problemas com ONGs fantasmas e laranjais. E a ministra da
Cultura não demonstrou iniciativas nessa área.
Se pararmos para ouvir discursos sobre turismo no Parlamento, veremos como o tema é tido em alta conta: indústria limpa, ampliação de empregos, formação de mão de obra, melhoria nas comunidades. Tudo parece fluir às mil maravilhas.
Mas não há como esconder que estamos despreparados. Um jornalista estrangeiro pode constatar isso com facilidade e escrever sobre o tema. Mas a sociedade brasileira tem maior legitimidade no seu clamor. Afinal, os bilhões de investimento público precisam de um projeto claro de retorno para o País.
O própria Polícia Federal chamou a atenção para os investimentos milionários na formação de quadros para o turismo, ao justificar a Operação Voucher.
O setor está próximo de ampliar seus gastos. No entanto, segue à deriva com seus quadros saindo da prisão e o ministro perdido na vastidão do tema.
Não seria justo afirmar que o Brasil não tem política de turismo. O País formulou um plano geral, cheio de ideias corretas, como, por exemplo, a interiorização do turismo, vital para o Estado do Rio, por exemplo. Mas Copa e Olimpíada são eventos excepcionais que precisam ser integrados. É mais que necessário organizar os setores do governo e ter uma estratégia adequada para esses momentos históricos. Os R$ 3,5 milhões em emendas parlamentares, administrados pelo ministro, representam interesses atomizados, não são parte de um plano mais amplo. O próprio Novais é atomizado, não só porque se orienta pelos interesses regionais, mas por estar entre os raros brasileiros que não compraram um telefone celular.
Jornalistas que têm fonte no governo costumam insinuar que Dilma fará uma reforma no Ministério do Turismo depois do primeiro ano. De qualquer modo, se isso ocorrer, será preciso admitir que um ano foi perdido no setor, precisamente aquele que marca a arrancada para a Copa de 2014.
Os atrasos em aeroportos e estradas de modo geral são apontados pelos técnicos com cálculos sobre o ritmo de trabalho. O governo sempre pode responder, nesses casos, que trabalhará dia e noite e concluirá as obras. Fica apenas um embate técnico no ar.
Parece claro, no entanto, que na engenharia de sua coligação Dilma subestimou o Turismo.
É um erro grave que pode durar de um a quatro anos. Pode mesmo ser reparado com a escolha de uma grande equipe que encare o setor com profissionalismo. Se isso for feito, não vou ficar lembrando erros do passado, mas apenas suspirar aliviado por ver o Brasil despertar para esse potencial.
O Brasil sempre teve belezas naturais, carnaval e todos os encantos que a propaganda ressalta. Mas neste momento, com o avanço econômico, o interesse internacional se amplia.
É hora de ir para um lado e, infelizmente, estamos indo para outro. Não compartilho visões catastróficas sobre a Copa e a Olimpíada. Os eventos vão ser realizados e, dentro das possibilidades brasileiras, podem ser um êxito.
Não é só a catástrofe que legitima a crítica. Os EUA viveram um momento muito condenado porque estenderam demais a discussão sobre o teto da dívida. Mas a discussão era legítima: o que fazer com o dinheiro de todos.
É simples assim: de que adianta investir bilhões em eventos internacionais e optar por um Ministério do Turismo de baixo nível?
(*) Jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário