Dilma, valha-nos Deus, terá o mais numeroso Ministério desde a Independência, em 1822.
Ricardo Setti para a Revista VEJA
“Pobre da presidente eleita Dilma Rousseff”, escrevi eu, ingenuamente, em post de 22 de novembro passado.
E continuei: “Ela vai herdar um Ministério colossal, absurdo, gigantesco, talvez o maior Ministério de qualquer país do planeta, e certamente o mais numeroso da história ‘deste país’, com 37 ministros – e, pior que isso, ‘imexível’, como diria um ex-ministro de triste memória: o presidente Lula engordou aos poucos a cúpula do governo em Brasília para melhor aquinhoar os chamados ‘partidos aliados’, e agora é um problemaço político mexer nesse monstrengo.”
Pois não é que a presidente mexeu?
Só que – valha-nos Deus – mexeu para… piorar!!! Secretaria da Aviação Civil com status de Ministério, agora a Secretaria Especial das Pequenas e Micro-Empresas, que terá status ministerial e será comandado pela empresária Luiza Trajano. Vamos para 39 ministérios!
Parece o monstro da mitologia grega
Tal como no lulalato, lembra a Hidra de Lerna da mitologia grega, personagem que aparece no âmbito dos 12 trabalhos de Hércules, o semideus filho adulterino de Zeus, o rei dos deuses do Olimpo, com a mulher do rei de Tebas.
Tomaria muito espaço relembrar a complexa história que levou Hércules, em busca de expiação e da imortalidade, a ver-se a braços com uma dúzia de tarefas impossíveis. O fato é que o segundo desasfio do semideus era enfrentar a Hidra, monstro aquático de nove cabeças, uma delas imortal. Para cada cabeça que o Hércules cortava, nasciam mais tantas quantas faltavam para decepar. Mas Hércules, naturalmente, triunfou. Nem a cabeça imortal sobrou.
Numa empresa, um presidente lidando com 39 diretores ficaria louco
A presidente da República, nos cinco anos em que comandou a Casa Civil e nos quase quatro em que coordenou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), joia da coroa do lulalato, manteve grande número de reuniões de trabalho com empresários e executivos de grandes empresas, inclusive gigantescas multinacionais.
Portanto, a presidente, economista de formação, nem precisaria perguntar a um desses seus freqüentes interlocutores do passado recente se existiria, em suas companhias, alguma chance de dar certo o trato direto com 39 diretores. Ela sabe que não funciona. Sabe! Essa louca criação de ministérios em plena época de necessária redução de despesas é uma questão política. Dilma, como já fez até com as centrais sindicais, poderia aplastar essa questão política com palavra que usa bem mais do que o antecessor:
– Não!
Por alguma razão, porém, está indo em frente.
Se perguntasse para os empresários que conhece a respeito de terem 39 diretores, com certeza ouviria, como resposta, que lidar com 39 direct reports é um disparate que torna a empresa, hipopotâmica, aparvalhada, lenta e paquidérmica nas tomadas de decisões – sem contar que o CEO, presidente ou dono provavelmente acabaria ficando louco.
Máquina mais numerosa que os séquitos imperiais
Não é nenhum segredo dizer que um dos segredos do que hoje se considera uma boa governança empresarial reside, por meio da delegação e outras formas de gestão, precisamente em diminuir o quanto possível o número de interlocutores obrigatórios de cada gestor em seu respectivo nível.
A presidente Dilma está batendo um recorde pouco honroso de seu antecessor que, para ajeitar o máximo de partidos políticos possível no Ministério, em nome da assim chamada “governabilidade”, jogou para o alto a busca da eficiência da máquina pública – até então, a mais numerosa desde a Independência, em 1822. Agora Dilma pilota um monstrengo ainda maior. Nem nossos dois imperadores, Pedro I e Pedro II, somados, dispuseram de tamanho séquito administrativo.
Vai acontecer com Dilma, inevitavelmente, o que ocorreu com o antecessor: a quase meia centena de pessoas elevada à categoria de ministros é tal que alguns raramente vão conseguir despachar a sós com a chefe.
Getúlio e JK governaram com 11 ministros
Os dois presidentes considerados mais realizadores da história da República – deixemos de lado, pelo menos hoje, o quanto teria sido realizador o lulalato e sua mania de “nunca antes neste país” – governaram com equipes enxutíssimas.
Embora os tempos atuais obviamente sejam outros, e mais complexos, Getúlio, em seus quatro diferentes períodos de governo e 18 anos de poder (de 1930 a 1945 e, depois, de 1951 a 1954), tocou o barco com um mínimo de 7 e um máximo de 11 ministros.
O presidente dos “50 anos em 5″, Juscelino Kubitschek (1956-1961), contou com 11 ministros, e 5 titulares do que então se chamavam “órgãos de assessoramento”, como os gabinetes Civil e Militar.
País adiantado, equipes enxutas
Quase todo país civilizado, sério e maduro é governado por equipe enxuta. Os presidentes americanos, por exemplo, conseguem comandar a superpotência de 300 milhões de habitantes e uma economia colossal próxima aos 15 trilhões de dólares com 15 ministros. O primeiro-ministro da Espanha (“presidente do governo”, como se diz lá), José Luis Rodríguez Zapatero, governa igualmente com 15 ministros, aí incluídos três “vice-presidentes do governo”, ministros com atribuições mais importantes, sendo que o primeiro vice é seu substituto eventual.
Sim, sim, sempre há a França de gloriosa burocracia napoleônica. Lá, o presidente Nicolas Sarkozy desfia 30 ministérios, secretarias e afins. Mas Sarkozy tem, lembremo-nos, um (bom) primeiro-ministro, François Fillon, que por sua vez dispõe de um vice, que tocam o dia-a-dia do governo. Tarefas são, portanto, repartidas.
Naturalmente não se mede a eficiência de uma máquina pública exclusivamente pelas dimensões do Ministério. Para que ela marche a contento, contudo, o tamanho excessivo é o primeiro e grande empecilho, que não foi levado em conta durante os dois mandatos do lulalato e que a presidente Dilma, agora, também deixa de lado.
Vamos ver no que vai dar. Coisa boa não pode ser.
(Publicado originalmente a 23 de março de 2011. Só acrescentei o nome da futura ministra de Micro e Pequenas Empresas, Luiza Trajano, proprietária da cadeia de lojas Magazine Luiza. Totalmente atual, não é mesmo?)
(*) Jornalista
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