domingo, 23 de junho de 2013

Batendo cabeça

Bellini Tavares de Lima Neto  (*) 

Minha sensação é que, quanto mais eu vivo, menos me vejo capaz de ter certezas. E esse movimento de rua que tem acontecido em algumas cidades é uma das provas disso. Tenho lido jornais, revistas, ouvido rádio assistido jornais pela televisão e confesso que me sinto completamente perdido no meio desse tiroteio. E um dos meus medos é que, no final das contas, eu seja um dos atingidos. Atingido por uma bala perdida da falta de capacidade para compreender. 

Quando aconteceu o primeiro episódio, um grupo de pessoas nas ruas protestando contra o aumento das tarifas de ônibus em R$ 0,20 minha primeira reação foi considerar que aquilo era coisa de meia dúzia de radicais que não conseguem enxergar nada à sua volta e mais um bando de garotos e garotas que ainda estão na fase de achar que se deve lutar contra tudo o que esteja em vigor, pois, de alguma forma, tudo o que está em vigor é opressivo. E, a dar suporte à minha percepção inicial, as imagens mostravam atos de vandalismo contra ônibus e estações de metrô, além de um enorme transtorno à população que se deparava com a obstrução de uma das mais importantes avenidas da cidade. Coisa de baderneiros desocupados ou, então, uma tentativa de desestabilizar o governo do estado. Afinal, como é possível crer em sinceridade quanto s trata de política e luta pelo poder, fim único de todos os que nela militam? 

Mas, aí veio o dia seguinte e o episódio se repetiu. E houve a ação da policia no sentido de reprimir a confusão e, em consequência, o conflito. Então, eu passei a prestar mais atenção ao conteúdo daquilo tudo e a tentar refletir sobre ele. O protesto era contra o aumento das tarifas de ônibus, que são de competência da prefeitura da cidade. Já tinha havido um aumento das tarifas do metrô, que é estadual e não aconteceu uma reação desse porte. Ora, será que se trata de um movimento contra o governo petista do município? E, o que é mais surpreendente, esse pessoal repetiu o episódio, o que não costuma ser habitual. Essas confusões costumam acontecer isoladamente, uma vez só, puro exercício do impulso juvenil com vistas à quebra de parâmetros. Estranho. 


Nesse segundo dia já começaram a acontecer cenas que, aparentemente, fugiam do controle de quem quer que fosse. E, em consequência, houve gente da imprensa atingida pela policia. E nesse momento, como costuma acontecer com sistemática frequência, a imprensa passou a ser contra os atos da policia e a acusá-la de ter sido repressora e agido de forma excessiva. A imprensa, a despeito dos bons serviços que presta, tem uma tendência incontrolável ao corporativismo. Mexeu com alguém de suas hostes, o tempo fecha mesmo. Só que, quando isso acontece, lançam-se nuvens obscuras de incerteza sobre os fatos, pois a imparcialidade cede terreno ao sectarismo. E, a partir do segundo dia dos protestos, as peças foram mudando de posição no cenário geral. A polícia começou a ocupar o lugar do vilão. 

Para temperar ainda mais a obscuridade, outros tons começaram a tingir os fatos: gritos contra a Copa do Mundo, uma das mais veementes bandeiras petistas, assim como protestos dos próprios manifestantes contra a infiltração de baderneiros e até promessas de que se aparecessem novamente bandeiras de partidos políticos, elas seriam queimadas. E a minha confusão foi aumentando ainda mais. Afinal de contas, o que é exatamente esse movimento todo? Trata-se de manobra de um dos dois grandes partidos para minar o outro? Isso já aconteceu outras vezes. Para justificar a invasão da Polônia em setembro de 1939, Hitler não hesitou em reunir uma parte de sua tropa das SS, vesti-la com uniformes do exército polonês e promover a destruição de uma emissora de rádio alemã que existia na fronteira, apenas para mostrar ao mundo que não estava invadindo, mas, isto sim, reagindo. 

Ou será que tudo isso é iniciativa de partidos radicais menores que pretendem desestabilizar ambos os grandes partidos do momento? A confusão só aumenta, o cenário só fica mais e mais cinzento. Integrantes do governo federal começam a se manifestar contra a polícia enquanto autoridades estaduais saem em sua defesa. E eu fico pensando que surge aí uma outra questão interessante: qual deveria ser a atitude da policia? Permitir que os manifestantes circulem livremente por onde desejarem e pelo tempo que desejarem? Essa uma possibilidade, sobretudo se houver o compromisso de que tudo acontecerá com absoluto respeito à ordem e sem qualquer risco de vandalismo. Há, é claro, o problema da alegação dos líderes ou porta-vozes do movimento informando que perderam o controle da massa. Mas, ainda assim, permitir que façam seu movimento poderia ser uma forma interessante de tratar o assunto e, sobretudo, confirmar ou não os bons propósitos da manifestação. Se essa for a vontade da população, isso é o que deveria acontecer. Para isso, bastaria que as autoridades policiais se valessem dos órgãos de imprensa para definir as regras e requisitos da atuação. É para permitir? É isso que se deseja? Então, que assim seja. 

Se, no entanto, não é isso que a população deseja, como deve agir a policia? Será que se as autoridades solicitarem aos manifestantes que não se espalhem pelas ruas da cidade, serão atendidas? E se não forem, o que devem fazer? Se a população não quer ver a ordem ser quebrada em sua volta para o trabalho nem seus meios de transporte, ainda que precários, sejam, depredados, como deve se comportar a policia? Reprimir o movimento? Acontece que, se a policia reprimir o movimento, os manifestantes vão reagir e depredar tudo o que puderem, como acontece, aliás, em qualquer parte do mundo. Será que alguém tem alguma sugestão para resolver esse impasse? 

Mas, será que haveria, também, a possibilidade de que isso tudo tenha se transformado em uma espécie de válvula de escape para uma população que possa andar cansada de viver numa cidade sem segurança, sem educação, sem saúde enquanto sorrisos cheios de tranquilidade e sossego se espalham pelas telas de televisão e páginas de jornais e revistas anunciando maravilhas que ninguém vê? Pois é. Às vezes, coisas acontecem meio se querer, por acidente. Segundo consta, quando desenvolveram o Viagra, o objetivo não era a disfunção erétil. E, no entanto, acabou virando esse sucesso, apesar do fato curioso de quem ninguém, absolutamente ninguém, faça uso dele. Será que é possível que isso seja, apenas e tão somente, o chamado sinal dos tempos? 

Como disse no começo, eu não tenho nenhuma resposta e estou completamente perdido nisso tudo. Só acho que, assim como eu, é possível que haja uma grande parte das pessoas que está no mesmo barco que eu. Então, que tal, em lugar de assumir posições definitivas, cada um procurasse refletir e tentar entender exatamente o que está acontecendo? Seja qual for o resultado final, uma coisa é certa: com a reflexão, ninguém será enganado como tem acontecido tantas e tantas vezes. E isso, certamente, será uma vitória. 

(*) Advogado, avô, corintiano e morador em S. Bernardo do Campo (SP)

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