Um mês depois de revelado o escândalo, Lula continua fugindo de perguntas sobre o caso Rose. Logo saberá que é impossível escapar de quadrilheiras de estimação
Augusto |Nunes (*)
A menos que todos os jornalistas brasileiros resolvam perder definitivamente a voz, o homem que nunca sabe de nada será confrontado com perguntas e cobranças que exigirão álibis menos bisonhos e respostas mais criativas. Se repetir, por exemplo, que se sente “apunhalado pelas costas”, Lula se arriscará a ouvir de volta uma desmoralizante gargalhada nacional. Se confirmar que “não se surpreendeu” com o que houve, como balbuciou em Berlim, terá de ser menos ambíguo: não se surpreendeu com as gatunagens de Rose, com o atrevimento do bando ou com a eficiência da Polícia Federal?
O colecionador de escândalos já deveria ter aprendido que nenhuma patifaria de grosso calibre deixa de existir ou fica menor só porque o protagonista da história finge ignorá-la. Atropelado pelas revelações da PF, o ex-presidente passou as duas primeiras semanas enfurnado no Instituto Lula, de onde só saiu para uma festa no Rio e uma discurseira para catadores de papel em São Paulo. Sempre cercado por muros humanos, não concedeu aos repórteres um único segundo de sua preciosa atenção. Depois, viajou para longe do Brasil e passou uma semana driblando jornalistas com saídas pelos fundos e escapadas pela cozinha. Para quê? Para nada.
Se era de bom tamanho quando partiu, a assombração ficara um pouco maior quando voltou. Indiciada pela Polícia Federal, Rosemary Noronha foi em seguida denunciada pelo Ministério Público por formação de quadrilha, corrupção passiva, tráfico de influência e falsidade ideológica. Entre os comparsas incluídos na denúncia remetida à Justiça figuram os irmãos Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), Rubens Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e Marcelo Vieira, que vive de expedientes. Os três bebês de Rosemary são os líderes do bando que enriqueceu com a venda de pareceres técnicos forjados.
Os lucros aumentaram extraordinariamente depois da contratação dos serviços da chefe de gabinete do escritório paulista da Presidência. Rose apresentava-se aos interlocutores conforme o grau de intimidade. Para os íntimos, era a mulher do Lula. Para o resto, “a namorada do presidente”. Nas reuniões com subordinados, declamava o primeiro verso do hino dos novos-ricos: “Aqui tudo é chique”. Parecia-lhe especialmente chique a decoração do escritório na esquina da Paulista com a Augusta. Numa das paredes, um imenso pôster mostra Lula (com a camisa do Corinthians) batendo um pênalti.
Hoje acampada na casa da filha Mirele, também demitida da Anac, Rose contabiliza os estragos da tempestade. Do dia para a noite, perdeu o emprego oficial, o posto de primeira-dama oficiosa, o escritório, o salário superior a R$ 10 mil. Os amigos sumiram. O namorado também. Acabou a vida mansa proporcionada pelos lucros da quadrilha. Acabaram as viagens internacionais ou mesmo domésticas: excluída das comitivas presidenciais desde a posse de Dilma Rousseff, agora não pode sequer sonhar com outro cruzeiro no mar de lhabela.
Sempre à beira de um ataque de nervos, Rosemary Noronha acha que os companheiros do PT não lhe estenderam a mão na hora da tormenta. É uma caixa-preta até aqui de mágoa. Tão perigosa quanto Paulo Vieira, que anda sondando o Ministério Público sobre as vantagens da delação premiada. Nesta segunda-feira, a sindicância aberta pelo Planalto para apurar o envolvimento de funcionários públicos com a quadrilha foi prorrogada por dez dias. Talvez dê em nada. Mas o processo judicial começou a andar. E o desfecho do julgamento do mensalão avisou que ninguém mais deve considerar-se condenado à perpétua impunidade.
Nos escândalos anteriores, havia entre Lula e os meliantes em ação um comando formado por companheiros ─ que funcionou como um oportuníssimo airbag na hora do estrondo. Desta vez nâo há intermediários entre o candidato a inimputável e a turma da delinquente que protege há quase 20 anos. As impressões digitais do ex-presidente estão por toda parte. Foi Lula quem instalou Rosemary Noronha no gabinete em São Paulo e pediu a Dilma que a mantivesse no cargo. Foi Lula quem, a pedido de Rose, transformou os irmãos Vieira em diretores de agências reguladoras. Sem Lula, Rose não se teria juntado à comitiva presidencial em 23 viagens internacionais. Sem Lula, uma alpinista social de subúrbio jamais teria feito carreira como traficante de influência.
Era Lula a fonte de poder da quadrilha, que não teria existido sem ele. Pouco importam os balidos do rebanho, a vassalagem dos governadores ou as genuflexões de Dilma Rousseff (que conhecia muito bem a representante da Presidência em São Paulo). Rose é um caso de polícia criado por Lula. Ele que trate de encontrar explicações ─ se é que existe alguma.
(*) Jornalista e Ex-Diretor do Jornal do Brasil, do Jornal Gazeta Mercantil e Revista Forbes. Atualmente na Revista Veja
Augusto |Nunes (*)
O berreiro dos cardeais, os uivos dos apóstolos, o choro dos devotos, as lamentações das carpideiras ─ nada disso vai adiantar. Nenhuma espécie de chilique coletivo da seita lulopetista impedirá que o chefe supremo seja obrigado a quebrar a mudez malandra. Desde 23 de novembro, quando a Operação Porto Seguro tornou nacionalmente conhecida uma certa Rosemary Noronha, Lula foge de comentários sobre a quadrilheira de estimação. O silêncio que começou há mais de um mês pode até estender-se por duas semanas, três semanas. A trégua do Ano Novo vai ajudá-lo. Mas o ex-presidente não escapará da hora da verdade.
A menos que todos os jornalistas brasileiros resolvam perder definitivamente a voz, o homem que nunca sabe de nada será confrontado com perguntas e cobranças que exigirão álibis menos bisonhos e respostas mais criativas. Se repetir, por exemplo, que se sente “apunhalado pelas costas”, Lula se arriscará a ouvir de volta uma desmoralizante gargalhada nacional. Se confirmar que “não se surpreendeu” com o que houve, como balbuciou em Berlim, terá de ser menos ambíguo: não se surpreendeu com as gatunagens de Rose, com o atrevimento do bando ou com a eficiência da Polícia Federal?
O colecionador de escândalos já deveria ter aprendido que nenhuma patifaria de grosso calibre deixa de existir ou fica menor só porque o protagonista da história finge ignorá-la. Atropelado pelas revelações da PF, o ex-presidente passou as duas primeiras semanas enfurnado no Instituto Lula, de onde só saiu para uma festa no Rio e uma discurseira para catadores de papel em São Paulo. Sempre cercado por muros humanos, não concedeu aos repórteres um único segundo de sua preciosa atenção. Depois, viajou para longe do Brasil e passou uma semana driblando jornalistas com saídas pelos fundos e escapadas pela cozinha. Para quê? Para nada.
Se era de bom tamanho quando partiu, a assombração ficara um pouco maior quando voltou. Indiciada pela Polícia Federal, Rosemary Noronha foi em seguida denunciada pelo Ministério Público por formação de quadrilha, corrupção passiva, tráfico de influência e falsidade ideológica. Entre os comparsas incluídos na denúncia remetida à Justiça figuram os irmãos Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), Rubens Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e Marcelo Vieira, que vive de expedientes. Os três bebês de Rosemary são os líderes do bando que enriqueceu com a venda de pareceres técnicos forjados.
Os lucros aumentaram extraordinariamente depois da contratação dos serviços da chefe de gabinete do escritório paulista da Presidência. Rose apresentava-se aos interlocutores conforme o grau de intimidade. Para os íntimos, era a mulher do Lula. Para o resto, “a namorada do presidente”. Nas reuniões com subordinados, declamava o primeiro verso do hino dos novos-ricos: “Aqui tudo é chique”. Parecia-lhe especialmente chique a decoração do escritório na esquina da Paulista com a Augusta. Numa das paredes, um imenso pôster mostra Lula (com a camisa do Corinthians) batendo um pênalti.
Hoje acampada na casa da filha Mirele, também demitida da Anac, Rose contabiliza os estragos da tempestade. Do dia para a noite, perdeu o emprego oficial, o posto de primeira-dama oficiosa, o escritório, o salário superior a R$ 10 mil. Os amigos sumiram. O namorado também. Acabou a vida mansa proporcionada pelos lucros da quadrilha. Acabaram as viagens internacionais ou mesmo domésticas: excluída das comitivas presidenciais desde a posse de Dilma Rousseff, agora não pode sequer sonhar com outro cruzeiro no mar de lhabela.
Sempre à beira de um ataque de nervos, Rosemary Noronha acha que os companheiros do PT não lhe estenderam a mão na hora da tormenta. É uma caixa-preta até aqui de mágoa. Tão perigosa quanto Paulo Vieira, que anda sondando o Ministério Público sobre as vantagens da delação premiada. Nesta segunda-feira, a sindicância aberta pelo Planalto para apurar o envolvimento de funcionários públicos com a quadrilha foi prorrogada por dez dias. Talvez dê em nada. Mas o processo judicial começou a andar. E o desfecho do julgamento do mensalão avisou que ninguém mais deve considerar-se condenado à perpétua impunidade.
Nos escândalos anteriores, havia entre Lula e os meliantes em ação um comando formado por companheiros ─ que funcionou como um oportuníssimo airbag na hora do estrondo. Desta vez nâo há intermediários entre o candidato a inimputável e a turma da delinquente que protege há quase 20 anos. As impressões digitais do ex-presidente estão por toda parte. Foi Lula quem instalou Rosemary Noronha no gabinete em São Paulo e pediu a Dilma que a mantivesse no cargo. Foi Lula quem, a pedido de Rose, transformou os irmãos Vieira em diretores de agências reguladoras. Sem Lula, Rose não se teria juntado à comitiva presidencial em 23 viagens internacionais. Sem Lula, uma alpinista social de subúrbio jamais teria feito carreira como traficante de influência.
Era Lula a fonte de poder da quadrilha, que não teria existido sem ele. Pouco importam os balidos do rebanho, a vassalagem dos governadores ou as genuflexões de Dilma Rousseff (que conhecia muito bem a representante da Presidência em São Paulo). Rose é um caso de polícia criado por Lula. Ele que trate de encontrar explicações ─ se é que existe alguma.
(*) Jornalista e Ex-Diretor do Jornal do Brasil, do Jornal Gazeta Mercantil e Revista Forbes. Atualmente na Revista Veja
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