segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Política e políticos

Luiza Nagib Eluf para O Estado de S.Paulo

Nossa presidenta vem enfrentando com firmeza a crise aberta no Ministério dos Transportes. Seja para agradar à classe média, como dizem alguns críticos, seja para aprimorar a sua gestão, como parece ser, ela está muito correta em sanear a administração.

O problema é que nem bem se começa a equacionar um Ministério apodrecido e já surgem denúncias de corrupção na Agência Nacional de Petróleo. E antes de qualquer desses dois fatos um ministro importante foi obrigado a deixar o cargo por não ter como explicar o crescimento gigantesco do seu patrimônio.

Esperamos que Dilma Rousseff continue em sua cruzada moralizadora, pois é disso que o Brasil precisa. Mas devemos aprofundar a análise dos fatos e procurar as origens mais remotas de tanta deterioração.

A classe política tem a pior reputação dentre todas as atividades no País, e não é sem motivo. O sistema que se criou de preenchimento de cargos em troca de apoio político, nos chamados governos de coalizão, destina posições estratégicas da administração aos indicados pelos partidos da base aliada, a fim de que a governabilidade se torne viável. Tal prática dificulta a aplicação de critérios de competência nas nomeações para os cargos de confiança. Assim, pessoas sem o menor preparo técnico acabam assumindo responsabilidades para as quais não se encontram preparadas. O País sofre com a inoperância da máquina, em total prejuízo do interesse público, enquanto os gestores da vez usam do poder para enriquecer a si mesmos e a seus padrinhos.


O mais incrível é que a sociedade esclarecida não reage. Não exige respeito ao erário, não sai às ruas para mostrar a sua indignação, não pressiona pela investigação dos suspeitos, não reclama os seus direitos na Justiça. Nosso povo, quando se manifesta, é para o vizinho, para o companheiro na fila do banco, para os amigos num encontro social. Aí é capaz de se revoltar, de vituperar, de desprezar, até de ameaçar, mas, na verdade, não faz nada se utilizando dos canais competentes, como as controladorias, as corregedorias, as ouvidorias, o Ministério Público (MP), os Tribunais de Contas e as organizações não governamentais (ONGs) que atuam em defesa da transparência, além do Poder Judiciário, por meio de ação popular, e dos organismos internacionais.

O preço da omissão é a eterna corrupção. E a população se justifica dizendo que o Brasil não tem jeito, que é assim mesmo. Com isso todo mundo vai virando ladrão, o mau exemplo se enraíza nas indistintas camadas da população e leva os valores morais para o ralo. Essa forma de indução ao crime é epidêmica. Contagia todas as classes sociais, as instituições, as organizações.

Quando uma pessoa preparada e disposta a lutar pelos valores inerentes ao bem comum se candidata a um cargo eletivo, por vezes sofre resistência até de amigos e familiares. A concepção de que a política é um meio deteriorado e suspeito configura um desestímulo, um desprestígio ao postulante. Essa concepção da política é equivocada. Como a sociedade brasileira avalia poder mudar a situação atual senão votando em pessoas realmente comprometidas com o interesse público? A atitude de alienação é um salvo-conduto para os corruptos.

A sempre falada reforma política precisa ser feita de verdade, começando pelos partidos. É dentro de suas estruturas viciadas que prosperam aqueles que buscam no cargo público um meio de enriquecer. Falta democracia interna, falta seriedade nas filiações, falta compromisso com o ideário político. A reforma deveria começar regulando as atividades internas das agremiações e estabelecendo limites éticos que vão muito além da mera fidelidade partidária.

Em vez de dar prioridade a vantagens pessoais, nossos administradores precisam elaborar e pôr em prática propostas para um País melhor. E essas propostas devem começar pelos municípios, a fim de que sejam agradáveis, saudáveis, limpos, belos, organizados. O aperfeiçoamento da segurança pública somente pode prosperar em cidades planejadas e bem cuidadas. Onde reinam o caos urbano, a sujeira, a confusão, as enchentes, a poluição, a falta de saneamento e de moradias, a terra de ninguém, ali prospera o crime. Para que possamos ter uma vida tranquila e sem medo temos de estar num espaço público bem cuidado e no qual prevaleça a ordem. Isso depende da ação das prefeituras e das Câmaras Municipais.

A reforma política, atualmente em gestação no Congresso Nacional, poderia contemplar o voto distrital, ou o distrital misto, a fim de aproximar os eleitores dos eleitos e facilitar a cobrança das promessas de campanha, além de várias outras vantagens. O voto em lista fechada também está sendo estudado e, se for aprovado, deverá estipular alternância de gênero, ou seja, um nome de homem seguido de um nome de mulher, conforme constou do relatório no Senado. Esse avanço seria muito importante para corrigir a disparidade na representação feminina e masculina no Poder Legislativo. Não há dúvida de que, com chances reais de serem eleitas, haverá muitas mulheres pleiteando legenda nos partidos.

O debate político não se pode restringir às épocas de eleições. Afinal, os políticos são uma coisa e a política é outra. A sociedade tem de estar permanentemente mobilizada para discutir seus destinos, cobrando dos governantes o cumprimento de seus programas e a lisura administrativa. Para tanto é imprescindível que a sociedade tenha acesso às informações sobre as práticas administrativas, uma vez que a transparência é um direito da cidadania.

A política é importante para cada um de nós e nada vai melhorar sem a participação de todos.

(*) Procuradora de Justiça do MP/SP, ex-secretária nacional dos Direitos da Cidadania e ex-Sub-Prefeita da Lapa. Escritora.

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