Claudio de Moura Castro (*) para O Estado de S.Paulo
Os pais reclamam um ensino técnico para os seus filhos. Para muitos, aí está a solução para os problemas do ensino. Mas será mesmo a única?
Há muitas maneiras de adquirir uma profissão. As ocupações manuais qualificadas são atendidas no estilo Senai - que não examinaremos aqui. Outra possibilidade é o ensino técnico, voltado para ocupações com maior densidade de conhecimentos técnicos. Por exemplo, eletrotécnica e robótica. Essa solução é repetida no mundo inteiro, com amplo sucesso.
Mas tudo pode dar errado. O Banco Mundial pregava a inclusão de disciplinas profissionalizantes no ensino médio. Contudo uma pesquisa ampla, encomendada pelo próprio banco, mostrou o equívoco: de tudo o que se fazia em formação profissional, essa solução mista fracassava mais que todas as outras. E parece ser a que está sendo proposta no País.
Em escolas acadêmicas que preparam para o ensino superior, se oferecem também um programa profissionalizante, seu status é mais baixo e os professores, discriminados no ambiente acadêmico. Por essas e outras razões, os ramos profissionais da escola são desprestigiados e o programa acaba como um gueto dentro da escola. Se insistirmos nessa profissionalização aguada do médio, estaremos repetindo os erros do passado.
As escolas técnicas bem-sucedidas têm seu centro de gravidade no mundo do trabalho e nas empresas. Seus currículos acadêmicos podem ser sérios, mas sua alma e seu foco estão na profissão ensinada, não no vestibular. Há bons exemplos brasileiros, principalmente no Senai e na Fundação Paula Souza (SP).
Há, porém, alternativas de preparar mão de obra para profissões de menor densidade técnica. Desde sempre, as pessoas aprendem fazendo. Automação dificilmente se aprende espiando quem sabe. Mas há centenas de ocupações exigindo menos bagagem técnica ou teórica prévia. Portanto, podem ser aprendidas em cursos mais curtos ou ao longo da vida profissional, ainda que mais lentamente. Mas entra aí um fator crítico, que é a qualidade da base educacional. Se é muito fraca, estamos mal. O profissional termina capenga no lado da teoria.
A solução pode estar mais perto do que se pensa. Trata-se de repensar a velha e maltratada "escola acadêmica".
Nossa educação acadêmica está extraordinariamente distante do mundo real e de aplicações práticas do que é aprendido, o que quer que seja. O currículo não se transforma em habilidades que podem ser usadas pela vida afora, mas sim na memorização de fatos, datas e fórmulas que para nada servem. Isso é agravado pelo excesso de disciplinas que a escola tenta ensinar, com pífios resultados. Ainda pior, não há diversificação, pois todos dão as mesmas disciplinas, gostem ou não. Se uns querem ir para o mercado e outros para o vestibular, por que uma passarela única?
Consertar essa escola é um caminho pouco explorado e de grande potencial. Por que as escolas precisam ser tão enfadonhas? Por que os currículos não podem ser mais curtos, mais simples e focalizando o que cada perfil de aluno precisa para crescer na vida e na profissão futura?
Não se trata de ensinar "conhecimentos práticos" (sem teoria), como plantar uma horta ou arquivar correspondência. Já se disse: não há nada mais prático do que uma teoria. Trata-se de aprender a teoria mediante sua aplicação na prática. Por exemplo, aprender matemática lidando com os problemas de números que encontramos na nossa vida. Que tal aprender a medir, a ler gráficos e tabelas, a interpretar desenhos técnicos? Ou entender o que está no papel e redigir corretamente? É melhor do que ouvir falar da lei de Pouillet, de Kirchhoff, do teorema de Binet, de D"Alembert, ou do plano de Argand-Gauss, contidos em livros do ensino médio. Impossível aprender isso tudo no tempo disponível.
Na realidade, trata-se de dedicar tempo a aprender algumas poucas ideias mediante aplicações, exercícios e projetos próximos da vida dos alunos e das ocupações que podem almejar. O objetivo é usar a prática para aprender a teoria. Obviamente, alguns alunos querem estudar engenharia ou medicina. Mas com a pletora de conteúdos, a maioria consegue apenas decorar as fórmulas. Isso não serve para nada, pois o que está por trás delas não foi realmente aprendido. Não que esses alunos sejam incapazes de aprender tais teorias, mas dado o tempo disponível isso não é viável.
Todos os países sérios oferecem currículos ou escolas diferenciadas, de forma a se adequarem aos interesses e ao equipamento intelectual dos alunos que chegam. É pura hipocrisia acreditar que todos cheguem ao ensino médio equipados para lidar com níveis de abstração em assuntos que em muitos países avançados são ensinados somente nos cursos superiores. Ou que todos tenham os mesmos interesses.
Como seria uma tal escola, forte em teoria, justamente porque insiste na sua aplicação prática? Dado o espaço aqui disponível, tomemos apenas um exemplo real mostrando a direção proposta. A Espanha desenvolveu um projeto chamado Aula Galileu (adotado no Uruguai). Para esse programa a escola dispõe de uma oficina multidisciplinar: madeira, metal, eletrônica, informática. O objetivo não é virar carpinteiro ou eletricista, mas preparar pequenos projetos individuais (ou de grupos). Depois de redigido o projeto, os alunos passam para a bancada, construindo o que planejaram. As atividades manuais fundem-se com os conteúdos do currículo acadêmico. Por exemplo, a construção de um medidor de continuidade mescla teoria de circuitos elétricos com sua construção. Ao fim, os alunos preparam um manual de uso, em inglês!
A escola continua acadêmica, não vira profissional. Mas ilustra a direção para um verdadeiro programa acadêmico, não o pastiche que oferecemos.
(*) Doutor em Economia é Pesquisador em Educação
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