Ricardo Noblat (*)
Se todos são culpados pela repetição de tragédias como a da região serrana do Rio de Janeiro – o Estado e o povo que mora em áreas de risco -, ninguém é culpado. Choremos, pois, os mortos. E vamos à praia pegar um bronze porque o carnaval está chegando.
No ano passado, quando tragédias parecidas mataram entre janeiro e abril 53 pessoas em Angra dos Reis e 47 em Niterói, o governador Sérgio Cabral falou em “crônica de uma morte anunciada”. Culpou o volume das chuvas e a ocupação de áreas de risco.
Justificou-se por só ter visitado Angra 24 horas depois do dilúvio: “Eu não faço demagogia. Em Angra estavam dois secretários da área. Quem deve vir são as autoridades públicas que podem dar solução e comando ao problema”.
Talvez fosse bom ouvi-lo sobre seu esforço de desta vez marcar presença nas áreas flageladas. Ele esteve por lá com Dilma. E depois mais duas vezes. Ou deu uma de demagogo ou assumiu a condição de autoridade que pode “dar solução e comando ao problema”.
Em novembro do ano passado, o governo brasileiro confessou à Organização das Nações Unidas por meio de extenso relatório que “grande parte do sistema de defesa civil do país vive um despreparo e não tem condições sequer de verificar a eficiência de muitos dos serviços”, como noticiou o jornal O Estado de S. Paulo.
Do relatório: "A falta de planejamento da ocupação e/ou da utilização do espaço geográfico, desconsiderando as áreas de risco, somada à deficiência da fiscalização local, têm contribuído para aumentar a vulnerabilidade das comunidades locais urbanas e rurais, com um número crescente de perdas de vidas humanas e vultosos prejuízos”.
E por fim: "Quando não se priorizam as medidas preventivas, há um aumento significativo de gastos destinados à resposta aos desastres. O grande volume de recursos gastos com o atendimento da população atingida é muitas vezes maior do que seria necessário para a prevenção”.
Encomendado pelo governo do Rio, um estudo de novembro de 2008 alertou para os riscos de a região serrana passar em breve pelo que está passando. Os lugares apontados como os de mais elevado risco foram Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo.
“A hora não é de buscar bodes expiatórios”, ditou Cabral antes que o número de mortos na região serrana batesse na casa dos 600. A hora é, sim, de se nomear culpados e de processá-los. Um americano que quebre o pé num buraco que a prefeitura não fechou vai à Justiça e arranca gorda indenização.
Aqui, o descaso do Estado mata e tudo fica por isso mesmo.
(*) Jornalista. Possui uma conceituada coluna no jornal O Globo
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