Opinião do Estadão
Sob os dados auspiciosos do mercado de trabalho - queda recorde do desemprego, aumento proporcional do número de empregos com carteira assinada, redução das diferenças regionais, entre outros -, ressurge com vigor um mal que durante anos castigou os brasileiros. A inflação em alta já corrói a renda dos trabalhadores e, se não contida, turvará ainda mais os bons resultados do mercado de trabalho.
Todos os dados de 2010 da Pesquisa Mensal de Emprego feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são positivos, inclusive os relativos à renda. Entre novembro e dezembro do ano passado, o índice de desemprego caiu de 5,7% para 5,3% da força de trabalho. Na média anual, o índice ficou em 6,7%, bem abaixo da média de 8,1% apurada em 2009, ano em que a crise internacional mais afetou o desempenho da economia brasileira. Em 2003 era de 12,5%.
Em dezembro do ano passado, o total de empregados nas seis principais regiões metropolitanas do País, que são abrangidas pela pesquisa, chegou a 22 milhões de pessoas, o maior número da série iniciada em 2002. O total de desempregados, de 1,6 milhão, foi o menor da série.
No fim de 2010, a renda real média do trabalhador foi 3,8% maior do que a do fim de 2009. O resultado seria ainda melhor se, em dezembro, não tivesse havido uma queda, de 0,7%, em relação a novembro.
Por que, num período de aquecimento de produção e consumo, com efeitos positivos sobre o emprego, a renda caiu? "A inflação funcionou como uma barreira ao progresso do rendimento", disse o gerente da pesquisa do IBGE, economista Cimar Azeredo.
Outros economistas concordam com essa explicação. Um deles, o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Armando Castelar Pinheiro, acrescenta que "a inflação é muito ruim para a renda, porque ela vem sempre antes de qualquer reajuste de reposição salarial que o trabalhador possa ter". É uma corrida em que o trabalhador perde sempre.
Qual é a resistência da inflação? Ou, como gostaria de saber o trabalhador, quanto mais e até quando a inflação corroerá sua renda?
A ata da reunião em que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu elevar de 10,75% para 11,25% o juro básico da economia reconhece que "o cenário prospectivo para a inflação evoluiu desfavoravelmente". Embora admita que a alta dos preços dos alimentos possa deteriorar as expectativas com relação à inflação futura e até impulsionar a elevação de outros preços, a ata atribuiu a aceleração inflacionária dos últimos meses apenas ao item alimentação.
Se fosse essa a única - ou a decisiva - causa para o recrudescimento da inflação, dentro de algum tempo, com a acomodação dos preços internacionais das principais commodities agrícolas, seu efeito sobre os preços internos começaria a se dissipar, desanuviando o cenário para os meses seguintes. Fatores internos que fizeram subir o preço dos alimentos - desastres naturais em áreas produtoras de hortifrutigranjeiros e clima desfavorável em outras regiões (excesso de chuvas em umas, seca em outras)-, de sua parte, tendem a perder força daqui para a frente.
O que a análise da evolução dos preços nas últimas semanas mostra, porém, é que a alta, inicialmente concentrada na alimentação, se dissemina para outros itens. Além de alimentos e bebidas, também serviços como aluguel, condomínio, barbeiro, empregado doméstico e conserto de automóvel ficaram mais caros. Não se trata de aumentos sazonais ou localizados - como são os de itens como transportes, fortemente dependentes das tarifas do transporte público -, mas de um comportamento que se espalha por diversos setores da economia.
O que antes era uma inflação de causa determinada agora é um movimento mais forte e amplo. Boa parte do governo, no entanto, ainda não entendeu a mudança e, por isso, não reconhece os riscos e não adota as medidas necessárias para afastá-los, sobretudo o corte de despesas públicas por meio do qual seria possível frear a demanda interna. Pior para os trabalhadores.
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